NL Arquivo | Rua Pereira Cão

O gosto pela arte, a criatividade e a capacidade técnica ímpar elevam Pereira Cão ao estatuto de um dos maiores nomes de sempre associados à pintura e à decoração portuguesa, assinalando-se os seus feitos com várias homenagens, entre as quais a atribuição de uma placa toponímica


Nesta rubrica dedicada aos topónimos do concelho o que a preenche é desta feita a vida e obra de José Maria Pereira Júnior, conhecido como Pereira Cão.

Este setubalense, que se notabilizou enquanto pintor-decorador, nasceu a 21 de fevereiro de 1841, na Rua do Buraco de Água, hoje Rua Tenente Valadim, que já constava no Roteiro da Cidade de Setúbal de 1891. Esta artéria é a que atualmente permite o acesso rodoviário ao edifício dos Paços do Concelho e à Praça de Bocage, a partir da Avenida 5 de Outubro.

É, igualmente, nos Paços do Concelho que é prestada uma outra homenagem de monta a este criativo ao fazê-lo figurar no Tríptico de Luciano, no respetivo Painel dos Artistas,.

Óscar Paxeco, em nota explicativa sobre o Tríptico de Luciano, indica que Pereira Cão se iniciou nas artes plásticas “ainda em Setúbal”, socorrendo-se de quem lhe estava mais próximo, designadamente familiares.

Aos 13 anos, estando já a cursar no Instituto Industrial, frequentou simultaneamente as aulas noturnas da Academia de Belas-Artes, durante um triénio, “mantendo-se assim fiel à sua vocação artística”, pois a vontade familiar parecia pender para que prosseguisse para profissões mais previsíveis.

Com apenas 21 anos de idade já se encontrava a trabalhar nas obras de restauro do Palácio da Ajuda, já que ali se preparava atempadamente o espaço para o evento do casamento entre o rei D. Luís I e a rainha D. Maria Pia. A isto seguiu-se um trabalho de restauração do Teatro São Carlos, onde foi discípulo dos renomados cenógrafos Rambois e Cináti.

Após um périplo por Espanha, Bélgica e Inglaterra, regressou munido de conhecimentos técnicos mais modernos e apurados que o levariam a decorar os palácios dos Duques de Palmela, situados em Calhariz, Azeitão e Lumiar, bem como espaços de outras destacadas figuras monárquicas, entre as quais o visconde de Coruche, o conde de Fontalva ou o marquês de Viana.

Prosseguiu para Braga, onde decorou o solar do visconde de S. Lázaro, chamando ainda mais a atenção das classes abastadas, que o viriam a contratar para trabalhos de estuque e de pintura em têmpera, tal como refere João Francisco Envia na obra “Setubalenses de Mérito”, num texto que igualmente serve como base bibliográfica para este artigo.

Destes trabalhos resultaram obras icónicas que atualmente ainda são descritas e mencionadas, designadamente algumas decorações em estilos variados, entre as quais recriações de pintura a óleo de estilo Pompeia, uma sala Luís XV, ou a decoração de uma sala de jantar em tapeçaria e onde deixou a figurar os seus temas prediletos: aves, frutos e flores.

Depois de passar por variadíssimas localidades do país onde deixou obra, como Beja, Vidigueira, Sines, Loulé, Figueira da Foz, Coimbra e Porto, sempre a fazer trabalhos artísticos para gente rica e influente.

Passa ainda por Lisboa, onde é contratado para o restauro de uma obra que ele próprio executara trinta anos antes, no então palácio do conde da Silva, situado em São Sebastião da Pedreira.

São tantas e tão diferentes as obras em residências particulares, nomeadamente em Lisboa, que Envia se escusa de as enumerar, por ser até “fastidioso”, mas disto retira-se que estava sempre apto para novos projetos e desafios. Por ele passam uma variedade assinável de formas e estilos decorativos. Exemplos disso são decorações de carros para cortejos alegóricos, pintura de azulejos, ou a participação em revistas ilustradas.

Pelo percurso artístico ficaram ainda obras de referência no panorama nacional, como por exemplo, a cúpula dos Paços do Concelho de Lisboa, a sala do Tribunal da Relação, ou a do bufete da Câmara dos Deputados.

Foi alvo, também, de reconhecimento internacional, tendo recebido a medalha de ouro na Exposição Universal de Paris de 1889, na qual obteve, igualmente, várias menções honrosas.

Foi Presidente da Sociedade dos Artistas Lisbonenses e galardoado com o grau de Cavaleiro da Ordem de Cristo, por decreto de 18 de julho de 1889.

Em Setúbal, executou várias obras, designadamente na Capela de São Francisco Xavier e o pano de boca do então Teatro D. Amélia, hoje o Fórum Municipal Luísa Todi.

Faleceu em Lisboa, a 26 de janeiro de 1921.

Quanto ao apelido que ganhou, o de Pereira Cão, indica João Francisco Envia, era porque “tinha muito mau génio”, surpreendendo-se este historiador local “ainda mais” por ele o ter aceitado e assinar as suas obras consoante com o que o tinham apelidado.

Rua Pereira Cão