Residência Artística Asas d'Areia - ensaio

O espetáculo “Asas d’Areia”, da companhia sineense Teatro do Mar, é apresentada no dia 25, num ensaio aberto ao público, às 22h00, nos Armazéns Papéis do Sado, no âmbito de uma residência artística a decorrer na cidade.


“Asas d’Areia”, a apresentar em julho, na MAPS – Mostra de Artes Performativas de Setúbal, é um espetáculo/instalação que funde o vídeo documental e o conceptual com o circo contemporâneo, nomeadamente a arte do equilíbrio, no arame e na corda bamba, a dança e as formas animadas.

A nova produção do Teatro do Mar debruça-se sobre a temática dos povos migratórios, especificamente sobre os campos de refugiados, questionando as suas atuais condições de vida e expectativas de futuro.

Há uma semana que as instalações da antiga gráfica Armazém Papéis do Sado estão transformadas no cenário de um campo de refugiados, numa tentativa, ténue, de se assemelhar à figura do campo de Moria, na ilha grega de Lesbos, sobrelotado, com mais de cinco mil pessoas que fugiram da Síria e que por ali sobrevivem sem condições de higiene e segurança.

“Foi neste fenómeno contemporâneo que nos focámos para construir esta produção. Os povos que fugiram da Síria para a Líbia por terra e depois por mar para a Grécia”, explica a encenadora e diretora artística, Julieta Aurora Santos. “A questão humana foi o que nos moveu para levar esta realidade ao maior número de pessoas e sensibilizar para esta questão. Não podemos fazer muito por esta gente, mas podemos trazer para a consciência de cada pessoa esta realidade.”

O objetivo “é precisamente confrontar, numa produção conseguida através da reprodução de sons e imagens reais”, captadas e realizadas pela videasta Isabel Teixeira nos diversos campos de refugiados gregos.

 Numa residência artística a convite da Câmara Municipal de Setúbal, a companhia sineense prepara “Asas d’Areia”, a apresentar em Sines, a 8 de fevereiro, e em Setúbal, no dia 2 de julho, na abertura da segunda edição da MAPS – Mostra de Artes Performativas.

Ao longo da semana, alunos das escolas do concelho foram convidados a assistir a ensaios abertos, com o objetivo e refletirem sobre a temática da criação.

O Grupo de Teatro da Escola Básica de Aranguez não perdeu a oportunidade. Duas alunas e um aluno, com idades entre os 14 e os 16 anos, sentam-se na primeira fila. Atentos, em silêncio, curiosos.

“Eles não faziam ideia que vinham ver um espetáculo de artes performativas, é a primeira vez que têm este contacto”, refere Joana Caetano, professora, mentora do grupo escolar.

De repente, o cricrilar dos grilos, o som das ondas do mar e crianças a chorar ouvem-se em pano de fundo. À frente do público, duas pessoas sentadas, de costas voltadas. Uma mulher e um homem, os atores Kátia Rocha e Douglas Melo.

A sala fria remete os olhares para os pés dele, descalços. Ela, olhar perdido, pele clara, semblante carregado.

Os movimentos começam e a cada ondular dos corpos o som aumenta, num limbo de tensão e relaxamento. Somos levados numa história que deambula entre o equilíbrio no arame e nas cordas.

Está patente o ato de cuidar, a transformação pessoal, a essência da pessoa, o dedo apontado à sociedade e ao próprio. O medo e a desconfiança. O desconhecido.

“É uma das muitas interpretações que podem ser feitas. Uma das características principais é precisamente esta parte multi-interpretativa e o efeito que causa em cada pessoa”, relata Julieta Aurora Santos.

 A banda sonora, construída propositadamente para a produção, é da responsabilidade de Tiago Inuit, num misto de edição entre sons produzidos e sons reais, a que se associa a imagem, desenvolvida pela VJ Carlotta Premazzi.

A responsável pelo vídeo refere que parte do trabalho dela passa por criar “uma leitura profunda do espetáculo sem incomodar a cena e a história”.

“Asas d’Areia” tem a duração total de 40 minutos. Na apresentação aos alunos foi mostrada uma parte da história e não foi desvendado o destino final dos intervenientes.

O suficiente para o grupo de teatro escolar ficar “sem palavras”. Os jovens, que tiveram a oportunidade de colocar questões no final não esconderam a admiração.

Douglas Melo, artista brasileiro, das áreas da dança e da arte circense, descreve que o trabalho apresentado resulta “não só de alguma prática, mas de muita pesquisa”.

Já Kátia Rocha, com um percurso feito através da dança e das artes do circo, admite a dificuldade latente no encontro das emoções descritas.

“Não é fácil, não estamos expostos àquela realidade. Precisamos sempre de sentir, conhecer uma parte desta realidade, claro, porque não estamos lá. Depois é aprender a lidar.”

O Teatro do Mar, fundado em 1986, é uma estrutura profissional multidisciplinar vocacionada, essencialmente, para a criação para o espaço público, no segmento de teatro de rua, tendo já, em 2019, sido responsável pelo espetáculo de encerramento da MAPS, na Praça de Bocage, em que uma cama gigante foi o palco da produção