Bolsas de Criação Artística | Projetos Selecionados

TERCEIRA EDIÇÃO

Vanishing”, de Bruno Senune e Beatriz Valentim, “Lugar X”, de Catarina Vieira, e “Abalada do Cante”, de Pedro Banza, são os vencedores da terceira edição das Bolsas de Criação Artística de Setúbal.

NOTA INTRODUTÓRIA

Este programa é a reafirmação do investimento estratégico na criação artística e cultural como um dos pilares de desenvolvimento sustentado e diferenciador da cidade, celebrando e reconhecendo a riqueza do tecido artístico e cultural local, nacional e internacional (residente no país) que se expressou nas 93 candidaturas submetidas e analisadas pelo júri composto por Claudia Galhós (especialista em artes performativas e escritora), Henrique Amoedo (diretor da companhia Dançando com a Diferença e diretor artístico do Teatro Viriato, Viseu) e Marta Cerqueira (artista, bolseira da primeira edição das Bolsas de Criação Artística).

Com esta iniciativa única no país, Setúbal é líder na visão a longo prazo da diferenciação, projeção e promoção da sua marca de Cidade de Criação Artística. As Bolsas de Criação Artística organizam-se num modelo informado pelas melhores práticas internacionais, salvaguardando que cada bolseiro tem um apoio monetário, no valor de 5.000€, acesso a residência de criação no espaço laboratorial de A Gráfica – Centro de Criação Artística e apresentação do resultado dessa pesquisa no festival MAPS – Mostra de Artes Performativas de Setúbal (que este ano ocorre entre 6 e 15 de julho). Tudo isto com investimento próprio da autarquia, articulado com a identidade emblemática de um equipamento municipal não convencional, experimental, inovador, de práticas artísticas, que é A Gráfica – Centro de Criação Artística.

Nestas três edições foram apoiados seis projetos artísticos: “Over Our Heads (OOH — interjeição alongada de espanto, admiração, encantamento ou tristeza)”, por Marta Cerqueira, “Quis saber quem sou”, de António Aleixo, “Impressões”, de Tânia Dinis, “Como seria nadar, há 50 anos?”, da autoria Cláudia Gaiolas e Judite Canha Fernandes, “Conferência performativa: pele”, de David Marques, e “Trans* Performatividade”, de Aura da Fonseca.

A curta-metragem “Quis Saber Quem Sou”, do setubalense António Aleixo, que desde a sua estreia, em 2022, fez parte da seleção oficial de festivais de cinema em todo o mundo, tem sido distinguida em vários concursos internacionais. A obra está nomeada para Melhor Curta Documental dos Prémios Sophia, da Academia Portuguesa de Cinema.  Este compromisso com critérios de exigência da qualidade das candidaturas artísticas aplica-se a todos, inscrevendo a criação local num nível de qualidade nacional e internacional.

Nesta terceira edição, as propostas comprovam a implicação dos artistas com um envolvimento comunitário, social, mas também expressam a pluralidade de formas de ser, estar, pensar, criticar e interrogar o mundo onde vivemos por via da arte. É de saudar o fôlego e a maturidade de artistas, emergentes ou com recursos criativos sólidos, que em alguns casos significa a apresentação a concurso de projetos de uma escala que extravasa o âmbito desta bolsa, tendo já garantidas coproduções e parcerias de diversas instituições do país e até internacionais. Nesse sentido, procurando diversificar os artistas a apoiar, e tendo esta bolsa o propósito de a sua atribuição ser diferenciadora para o projeto artístico em questão, congratulamos e valorizamos o trabalho extraordinário e de referência que estão a fazer muitas estruturas ou coletivos que, pela razão explicitada, não foram contemplados. Também não foram considerados projetos de indiscutível qualidade por terem um planeamento temporal fora dos requisitos desta bolsa ou por o júri considerar haver um desajuste entre o projeto orçamental e o projeto artístico ou ainda quando a dimensão pedagógica, espetacular ou terapêutica se sobrepôs ao desenvolvimento crítico de um planeamento de dramaturgia contemporânea.

Concorreram às Bolsas de Criação Artística projetos da área do teatro, performance, vídeo-performance, novo circo, instalação, cinema, música, dança, cruzamentos. Entre as várias candidaturas analisadas e que saudamos, abre-se um mundo maravilhoso da criação artística que passa por um projeto de “cruzamento entre a performance, o som e as artes plásticas, numa obra que inter-relaciona a natureza geológica do território com o seu imaginário alegórico” de “(Sub)solo”, de Angelina Nogueira; o “clube de experiências surrealistas” no cruzamento entre a culinária e a performance de Beatriz Pereira, com a sua proposta de dança “Vazias”, que problematiza o esvaziamento da repetição do presente e que futuro queremos construir. A Companhia Cepa Torta e o teatro “1 Pato Selvagem”, numa abordagem inovadora e de recursos artísticos intergeracionais, ao propor-se como um “espetáculo para quatro atores e 40 posts de Tik Tok” merece também ser distinguido. A performance-instalação site-specific “Placenta”, de Diogo Martins e Elisabete Sousa, traz a qualidade de um trabalho que pensa a relação entre a humanidade, tecnologia e a natureza, pesquisando por via da arte as possibilidades de um futuro mais sustentável.

Muitos projetos refletem preocupações ecológicas, que foram considerados para distinção, de que damos como exemplo as obras de Sara Anjo e o seu “Traço – um caminho para um lugar de força”, no qual prossegue essa pesquisa de anos sobre a caminhada como prática artística experimental e que encontra em Setúbal, com todo o seu rico património humano e natural, um enquadramento de excelência, situando o trabalho artístico numa emergência e riquezas tão fundamentais quanto delicadas; ou, de modo muito diverso, também a proposta de labor, rigor e arte de Flávio Rodrigues com “Exercício | sobre a ação de desenhar um traço”, entre a performance e o desenho, a partir de uma aparente (só aparentemente) simples ação de traçar uma linha sobre papel com uma barra de carvão.

Ainda na pré-seleção, o júri distinguiu Francisco Thiago Cavalcanti da Silva com a sua proposta “Cantar”, que por via da dança trabalha e interroga as relações entre “Gal Costa, baleias, exílio, saudade, fronteiras, ditadura, antropofagia, multiculturalismo, territórios, des-territórios, refúgio”.

As inquietações, estratégias artísticas, temáticas, recursos linguísticos expressos nas candidaturas revelam a pluralidade das identidades artísticas. A questão do feminino surgiu, assim como a luta de trabalhar em colaboração e em grupo (difícil também de viabilizar economicamente), como um ato político e artístico ou a expressão do elogio da divergência e do justo lugar de fala – de que a proposta de Hugo Tourita, de teatro e dança, com “OCD, a poem”, é apenas um exemplo, apresentando-se como “uma declaração de amor em forma de monólogo dançado e falado. É sobre o amor e o desamor de alguém que vive com OCD”.

O recurso a novas tecnologias; a interrogação sobre a desmaterialização do corpo; o impacto das inovações tecnológicas nas gerações mais jovens; o cruzamento entre práticas artísticas e conhecimento científico; o problema de expressão das emoções e da vivência da tristeza nos mais novos; formas muito diversas de criar relações com a comunidade e o território, humano, natural e histórico, específico de Setúbal também surgiu nas candidaturas.

PROJETOS SELECIONADOS

Tendo em conta toda a diversidade apresentada, e tendo em conta os critérios enunciados no regulamento das Bolsas de Criação Artística, o júri valorizou a capacidade de inovação, o trabalho em comunidade e orçamentos exequíveis.

O júri procurou encontrar nos três selecionados o equilíbrio possível entre propostas diferenciadas de abordagens artísticas, linguagens artísticas, relações de proximidade com a comunidade e a história local e experimentalismo puramente artístico.

Assim, de algum modo, entre as três propostas selecionadas estão representadas as estratégias e abordagens artísticas mais contemporâneas e inovadoras – na música, cinema, documentação, dança, performance, problematização histórica, filosófica, política e ecológica – assim como um maduro trabalho de inscrição e saber histórico, seja dentro de linhas e práticas artísticas seja pelas temáticas e nas inter-relações que estabelecem com as temáticas desenvolvidas.

Foram igualmente valorizadas as equipas artísticas e as formas diversas como se propõem relacionar com a comunidade.

As bolsas selecionadas nesta edição são:

VANISHING | Bruno Senune e Beatriz Valentim
Projeto de pesquisa de dois intérpretes e coreógrafos em que cada um vai dançar o solo coreografado pelo outro. A investigação e experimentação passa pelo quotidiano do corpo e a sua gestualidade, análise e composição de padrões de repetição e esvaziamento, com referências filosóficas de Nietzsche a Descartes e a simbologias de ciclos de nascimento e morte e contínua renovação.

LUGAR X | Catarina Vieira
Parte de uma perspetiva ecofeminista para interrogar os mecanismos de extração de valor dos corpos, dos ecossistemas, da vida e das relações. A pesquisa está profundamente ligada fisicamente e simbolicamente com os lugares, neste caso A Gráfica e o espaço, físico e humano, envolvente, onde situa interrogações que a artista lança, por exemplo: ‘como se cria corpo das ruínas? Como somos corpo de restos, de fantasmas, de dúvidas e de assombros?’. Catarina Vieira trabalha a partir do que chama de ‘lugares do comum’, que define como ‘espaços que estão ainda, aparentemente, vazios de função capitalizável; lugares de encontro, de formas de vida improvisadas; Lugares que ainda não foram apropriados ou que, por terem sido abandonados, se abrem a outros usos improvisados para lá das narrativas do valor e do capital.

ABALADA DO CANTE | Pedro Banza
Na realidade, é um projeto de uma equipa artística muito diversa, sedeada entre Setúbal e o Alentejo, com uma forte presença feminina e com uma narrativa e perspetiva feminina: pesquisa e recolha de história oral sobre as vidas de três gerações de mulheres da mesma família, com origens alentejanas, a viver em Setúbal. Esta abordagem é valorizada por um justo lugar de fala, tendo em conta que Pedro Banza e Marta Banza, irmãos, são a geração mais nova. Por via destas mulheres, apresenta-se uma visão alternativa, pessoal e singular sobre o país e Setúbal. Este é um projeto que vai além do concerto/documentário, que seria a sua apresentação mais simplificada, com uma cuidadosa e bem fundamentada construção de dramaturgia contemporânea. A criação musical de Noitibó (Pedro Banza) e o uso em particular da viola campaniça (instrumento proibido pelo Estado Novo) cruzam-se com a investigação e recolha oral das histórias (a cargo de Vanessa Iglésias Amorim e Leonardo Silva), a colaboração de Celina da Piedade e do Grupo Coral Alentejano ‘Os Amigos dos Sadinos’, entre outros.

JÚRI

O júri da terceira edição das Bolsas de Criação Artística foi constituído por Claudia Galhós, Henrique Amoedo e Marta Cerqueira.

Cláudia Galhós

Cláudia Galhós

Jornalista, especialista em artes performativas e escritora

Biografia
Henrique Amoedo

Henrique Amoedo

Diretor da companhia Dançando com a Diferença e diretor artístico do Teatro Viriato (Viseu)

Biografia
Marta Cerqueira

Marta Cerqueira

Artista, bolseira da primeira edição das Bolsas de Criação Artística

Biografia