Encontro Unidade Estudantil - Luta e Canto | comemorações do 25 de Abril

Memórias e vivências do período quente da luta estudantil de 1969, ligadas por uma relação intemporal com a música de José Afonso, foram partilhadas ao final da tarde de dia 22 de abril por quatro antigos estudantes em encontro realizado em Setúbal no âmbito das comemorações do 25 de Abril.


“Unidade Estudantil – A Luta e o Canto – Coimbra, Lisboa e Setúbal, com José Afonso” foi o ponto de partida para a iniciativa realizada no Salão Nobre dos Paços do Concelho, numa organização da Uniseti – Universidade Sénior de Setúbal, com a Câmara Municipal de Setúbal.

“São histórias e memórias de juventude que se constituem como uma responsabilidade a preservar, para que as gerações vindouras tenham lastro para fazer uma sociedade melhor e para o bem de todos”, afirmou, na abertura do encontro, o presidente da Câmara Municipal de Setúbal, André Martins.

O autarca sublinhou ainda o papel determinante e os contributos conseguidos pelo movimento estudantil para o derrube do regime fascista. “A luta estudantil, na década de 60, traduziu-se num contributo fundamental para a revolução conseguida a 25 de Abril de 1974.”

À conversa para recordar o papel dos estudantes de Coimbra, Lisboa e Setúbal antes da revolução de Abril estiveram Rogério Palma Rodrigues, José Canhoto Antunes, José Armando de Carvalho e Arlindo Mota, com histórias repartidas entre as três cidades portuguesas.

Rogério Palma Rodrigues, antigo presidente da Assembleia Municipal de Setúbal, foi o primeiro a partilhar o testemunho, ao relembrar intervenções na luta contra o regime ditatorial enquanto estudante de medicina na Universidade de Coimbra e presidente de uma Queima das Fitas naquela cidade.

“Fui caloiro em 1963. Já foi um ano agitado”, disse, antes de relembrar um dos primeiros momentos marcantes na chegada ao ensino superior. “Na primeira vez que vou à associação de estudantes vejo um cartaz com uma figura e a frase ‘solidariedade pelo Ireneu Cruz’, que havia sido preso. Marcou-me.”

Enquanto presidente da Queima das Fitas em 1968, já a insatisfação estudantil com o ensino superior estava acesa, relembrou uma decisão. “Tínhamos a noção de que a música era uma arma. Por isso, tomámos a decisão de convidar Zeca Afonso para atuar nessa queima e atacar, pela cultura, o regime bafiento.”

José Canhoto Antunes também ingressou na universidade em Coimbra em 1963. “Ocorreu-me ir para o teatro”, disse o antigo presidente do Teatro Universitário de Coimbra. “Como ator, não tinha grande jeito. Ainda entrei em algumas peças, entre as quais o Auto da Barco do Inferno, de Gil Vicente. Era o Parvo.”

Assumiu a presidência do grupo cénico em 1968 para direcionar a atividade do “teatro para uma vertente mais vanguardista, por exemplo, com a obra de Brecht”. Contudo, nesse ano, a atividade foi reduzida. Explicou que foi devido “a um conflito de interesses com o então diretor artístico”.

De Coimbra para Lisboa, a luta estudantil na capital lisboeta teve como orador Arlindo Mota, atual presidente da Uniseti e antigo dirigente liceal e estudante universitário. “Em 1964 já os senhores de gabardines me estavam a traçar o perfil”, afirmou, numa alusão aos agentes da PIDE.

Enquanto dirigente liceal, passou em revista o icónico sarau cultural à luz das velas com José Afonso e Adriano Correia de Oliveira. “Vá-se lá saber porquê, alguém cortou a eletricidade da associação de estudantes da Faculdade de Ciências de Lisboa”, ironizou. “Foi a primeira entrada a sério no interassociativismo.”

Arlindo Mota falou ainda da Unidade Estudantil, “um jornal, um órgão de defesa, quase todo escrito por Ruben de Carvalho, jornalista”, e também da primeira vez que a PIDE bateu à porta de casa, em que conseguiu não ir preso porque a mãe conseguiu, “com falinhas mansas”, dar a volta à polícia do Estado.

Já José Armando de Carvalho, antigo ativista de Coimbra, focou a intervenção nos contactos que teve com José Afonso e na importância cultural deste para os estudantes. “Os discos e as músicas de José Afonso eram fortes e marcantes para o movimento estudantil”, afirmou.

O evento, moderado pelo diretor do jornal O Setubalense, Francisco Rito, contou ainda com apontamentos musicais do grupo de Cante Alentejano da Uniseti e de António Almeida, acompanhado à viola por Albano Almeida e à guitarra portuguesa por Agostinho Torres.

O encontro “Unidade Estudantil – A Luta e o Canto – Coimbra, Lisboa e Setúbal, com José Afonso” fez parte do programa comemorativo que a Câmara Municipal de Setúbal está a organizar, até 2024, no âmbito dos 50 anos do 25 de Abril, o qual, disse o presidente do município, André Martins, procura ser memorável.

 “Queremos com este projeto realizar um conjunto de iniciativas em vários domínios do 25 de Abril para deixar uma marca ainda mais forte na cidade e, por isso, estamos a trabalhar em eventos para os quatro anos do atual mandato, com particular relevo em 2024, nos 50 anos da Revolução dos Cravos.”