Exposição "Uma família de artistas do século XX"

Uma exposição de pintura e de fotografia, patente entre 8 de maio e 17 de julho, na Galeria Municipal do 11, em Setúbal, apresenta obras três gerações de artistas da mesma família, Mário Eloy, pai e filho, e Sérgio Eloy.


“Uma família de artistas no século XX em Portugal – Mário Eloy (pai), Mário Eloy (filho), Sérgio Eloy – Pintura e Fotografia” é o tema que une as obras de pintura de Mário Eloy pai (1900-1951) e de Mário Eloy filho (1929-1977), com os trabalhos em fotografia de Sérgio Eloy (1959-2004),

A mostra, organizada pela Câmara Municipal de Setúbal, por sugestão de José Matos Cardoso, que possui ligações familiares com os Eloy, é de entrada livre e pode ser apreciada de terça a sexta-feira, das 11h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00, abrindo ainda aos sábados, no horário da tarde.

O historiador de arte Fernando António Baptista Pereira é o autor do resumo da exposição, que é apresentado a seguir.

Do Expressionismo à Abstração

Por sugestão do artista José Matos Cardoso, ligado familiarmente a Mário Eloy filho (1929-1977) e a Sérgio Eloy (1959-2004), e dispondo o Museu de Setúbal / Convento de Jesus de um autorretrato de Mário Eloy (1900-1951), surge a presente exposição, dedicada aos três artistas.

Não sendo possível apresentar mais obras de Mário Eloy pai, devido à fragilidade do seu estado de conservação – embora apresentando-as em écran led –, a presente exposição centra-se na obra pictórica, pouco conhecida entre nós, de Mário Eloy filho, julgada por muitos quase desaparecida, e nas principais séries fotográficas de Sérgio Eloy, também pouco divulgadas.

É durante uma viagem em 1919, no Museu do Prado, diante dos grandes mestres, que Mário Eloy (1900-1951) descobre que quer ser artista. Ao regressar a Lisboa e com o seu ateliê de pintura instalado no teatro D. Maria II desenvolve, no seu autodidatismo, uma carreira de retratista, seguindo as pisadas simbolistas de Columbano, mas já tocado pelas abordagens modernistas de Eduardo Viana, seu mentor. Em 1925, parte para Paris e é desse período, durante o qual absorve as novidades do Cubismo e do Fauvismo, o encantador Autorretrato, que aqui se apresenta.

Sugestionado pelas derivas expressionistas contemporâneas, muda-se em 1927 para Berlin, onde virá a casar com Theodora Elfriede Laura Severin (Dora) dias depois do nascimento do filho de ambos, Mário António Horst Eloy de Jesus Pereira. Fixa-se em Lisboa, sem a família, a partir de 1933 e atinge nesta década o seu apogeu artístico, num percurso de matriz expressionista dominado pelas inquietações pessoais. As suas propostas estéticas radicais singularizam-no na arte portuguesa da época.

A partir de 1939, sente o agravamento da doença (Coreia de Huntington), que irá ditar o seu internamento em 1942. A sua pintura e desenho, na sua fase final, carregam-se de pessimismo e de visões desesperadas. Morre alienado e quase na miséria em 1951.

Ao contrário do pai, autodidata assumido, Mário Eloy filho (1929-1977), recebe educação na Escola Alemã da Haia e formação artística na Academia Livre da mesma cidade, com o intuito de se dedicar à cerâmica, mas por volta de 1954 decide dedicar-se à Pintura.

Realizou viagens na Europa do Pós-guerra, sendo uma a Portugal para ver o pai, e, divorciado em 1956, decide estabelecer-se entre nós, onde vem a receber um subsídio da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) e onde conhece Orquídea Matos Graça, de quem em 1959 tem um filho, Mário Sérgio Graça Eloy. Poucos anos depois, de novo divorciado, regressa a Haia. A sua obra está representada em várias instituições oficiais Holandesas e em 1974 naturaliza-se para receber apoio na doença que herdou do pai, vindo a falecer três anos depois, num incêndio em sua casa, em Haia.

Apesar do pouco contacto com o pai, o seu percurso parte de derivações expressionistas e da exploração do matérico, abordando temáticas num quadro figurativo inicial para se desenvolver posteriormente no gestualismo e no informalismo, com expressão profundamente original.

Com efeito, os quadros ainda figurativos da primeira metade da década de cinquenta, ao mesmo tempo que propõem uma atualização das derivas expressionistas que haviam entusiasmado o pai, anunciam uma clara obsessão pela matéria, que também fascinará a obra fotográfica do filho, mas também a tendência para a rarefação minimalista dos motivos sobre superfícies de cores lisas

Nos anos seguintes Mário Eloy inaugura entre nós um expressionismo abstrato original, que se desenvolve nas últimas produções, num despojamento informalista que procura definir uma linguagem sígnica, em linha, como já acontecera com o pai, com a vanguarda nórdica europeia.

O filho, Sérgio Eloy, interessa-se pela Fotografia a partir de 1973, frequentando o IADE. Em 1985, o seu trabalho desperta a atenção de Fernando de Azevedo, recebendo uma Bolsa da FCG, que se prolonga por vários anos, e apresenta a sua obra na I Bienal dos Açores e numa individual na Casa de Bocage. Até 1995, participa com regularidade em várias exposições coletivas, ganhando o Prémio de Fotografia na III Exposição de Artes Plásticas da FCG, em 1986. Em 1994, submete-se sem sucesso a uma intervenção cirúrgica com o objetivo de travar a doença, igualmente herdada de seu pai, ficando em estado vegetativo e vindo a falecer dez anos mais tarde.

A Fotografia de Sérgio Eloy apresenta-se numa linha de continuidade com a última obra abstrata, gestual e minimalista do pai, embora num médium diferente. Utilizando o diapositivo, adota a abstração fotográfica assente na exploração micro de texturas de cores e formas em velhos muros ou outras superfícies marcadas pelo tempo.Assim, esses signos ou marcas da inexorável passagem do tempo em superfícies intervencionadas pelo homem, que as escolhas do olhar fotográfico de Sérgio Eloy cristalizaram, resolvem-se em diferentes séries, numa reinvenção e atualização, no médium da Fotografia, do inovador expressionismo abstrato que o pai, Mário Eloy filho, introduzira entre nós trinta anos antes.”

Fernando António Baptista Pereira
FBA. Ulisboa, CIEBA