“Numa hora improvável, a ver desenhos, a falar de ilustrações, de ilustradores e cartoonistas, essa maravilhosa gente, que, com desenhos, nos faz pensar, rir e chorar”, afirmou a presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Maria das Dores Meira, na abertura oficial do certame com o lema “É Preciso Fazer um Desenho?”.

E sim, foi preciso fazer um desenho. Aliás, vários desenhos, manifestações artísticas que são partilhadas em diversos espaços e equipamentos culturais, na cidade de Setúbal e em Azeitão, até aos primeiros dias de julho, com várias iniciativas, em que se incluem 17 exposições, música, cinema e literatura.

Antes da hora certa marcada para a abertura oficial do certame, já se circulava pela Galeria de Exposições e Sala Anexa da Casa da Cultura para os primeiros olhares sobre “Fónix”, mostra na qual Nuno Saraiva partilha alguns dos mais marcantes e sentidos desenhos da carreira.

A Sala José Afonso foi pequena para receber todos aqueles que quiseram marcar presença na abertura oficial da Festa da Ilustração 2016, momento assinalado num formato informal, pautado pela boa disposição e confraternização entre artistas e público.

Os desenhos e ilustrações “provocam a ira de políticos e presidentes de câmara e, pior, daqueles que se erigem como representantes dos deuses da terra e nem sequer hesitam em matar os que, com os lápis, fazem esses deuses descer à terra”, referiu a presidente da Câmara Municipal de Setúbal.

“Ou são de um irreverente crónico, ou será antes um cómico irreverente, como é o Nuno Saraiva, que também pode ser classificado como um irónico crónico, ou de um alentejano, também crónico, chamado Luís Afonso, que, apesar de vir daquelas bandas, desenha o país que somos de forma exemplar”, vincou a autarca.

Maria das Dores Meira exaltou também a irreverência de desenhos e ilustrações e a importância do trabalho dos ilustradores, que enriquece o quotidiano de Portugal. “Esses, os dos lápis, são os que, com riscos e cores, escrevem e arriscam muito mais que cronistas, editorialistas e radialistas.”

A Festa da Ilustração é uma “celebração que afirma a cidade como forte polo de criação e divulgação cultural”, destacou sobre o certame, o qual conta com um forte envolvimento da cidade, sobretudo da comunidade escolar, que este ano participa de forma mais intensa.

José Teófilo Duarte, curador do evento, partilhou a ideia da autarca de que a festa conta “com um grande envolvimento da cidade” e acrescentou que a “ilustração é um evento cada vez mais importante no mundo”. Destacou, ainda, a qualidade de artistas e obras presentes na festa. “Há exposições fantásticas!”

Fragmentos desses trabalhos, expostos em vários espaços e equipamentos culturais de Setúbal e Azeitão, foram partilhados logo na abertura do evento, exibidos numa apresentação enquanto decorria a abertura do evento, feita num formato fora do convencional, pois a festa assim o pedia.

“Isto é uma coisa informal, até porque a disciplina da ilustração também o é”, partilhou com o público João Paulo Cotrim, outro dos curadores da festa, depois de se levantar do pequeno palco da Sala José Afonso que partilhava com os outros intervenientes na abertura do certame. 

João Paulo Cotrim afirmou que a ilustração “voa abaixo do radar das artes” e que, por isso, “eventos como a Festa da Ilustração ajudam a celebrar esta arte e os autores, muitas vezes esquecidos”. Vincou, ainda, que a principal novidade relativamente à edição anterior é “a maior adesão das pessoas”.

Irreverente, cómico ou irónico? O ilustrador Nuno Saraiva esclareceu que é um pouco de tudo, apesar de se considerar um homem de reverências. “À mulher, à política, ao presente e ao passado, ao fado e à cidade, sobretudo Lisboa. Cada ilustração tem uma história e um significado muito pessoais.”

E foram algumas dessas histórias que Nuno Saraiva partilhou, pouco depois da inauguração oficial, numa visita a “Fónix”, mostra que compila um conjunto de trabalhos do ilustrador almadense para jornais e revistas, mas também para obras literárias, feitos num período de dez anos, o de “maior maturidade artística”.

Entre os trabalhos estão ilustrações de mulheres, violadas e assassinadas, feitas com base em fotografias de investigação criminal a propósito do caso do estripador de Lisboa para um trabalho publicado no jornal Sol. “Não é o tipo de trabalho que mais gosto de fazer”, indicou o ilustrador.

Poucos painéis ao lado, uma das criações mais icónicas de Nuno Saraiva salta à vista. Trata-se de “A entrega dos Bigodes”, originalmente um painel de grandes dimensões para exposição no Palácio da Cidadela de Cascais “Jogo da Glória – O século XX malvisto pelo desenho de humor”.

A ilustração, uma mulher com os seios à mostra, envolta na bandeira da República de Portugal e ladeada de homens, é um dos trabalhos satíricos de Nuno Saraiva. “Representa a mama e os políticos da I República. Também lá está o Zé Povinho, bem pequenino.”

Em “Fónix”, Nuno Saraiva partilha também as primeiras ilustrações feitas à volta do fado, tema que no início pouco o atraía, e também desenhos com tatuagens, replicadas depois de ter visto as originais na pele de homens falecidos sem família e conservadas em formol no Instituto de Medicina Legal.

Também a “Sardinha Maminha”, ilustração feita para a programação das Festas de Lisboa de 2009, captou atenções do público. Se ao longe o peixe parece normal, um olhar mais próximo revela que as escamas da sardinha são, afinal, maminhas. “De várias nações. Foi preciso muita investigação”, brincou Nuno Saraiva.   

Outro dos trabalhos que o ilustrador fez questão de apresentar está ligado ao caso do julgamento das secretas. “Fazia os desenhos e estava mesmo atrás dos réus. Apanhava coisas, frases, palavras, que mais ninguém conseguia, e acabei por as escrever em balões. Até agora não tive problemas.”

Para o fim, um dos primeiros trabalhos de Nuno Saraiva. Um monte de ratos em delírio colorido a assistir ao concerto de uma banda rock. Era assim a capa de “Rock Radioactivo”, o primeiro disco dos Mata Ratos. E que foi também o primeiro trabalho como ilustrador, na altura com 20 anos.

“Fónix”, patente entre até 30 de junho, de terça a quinta-feira das 10h00 às 24h00, às sextas e sábados das 10h00 à 01h00, e aos domingos das 10h00 às 20h00, na Casa da Cultura, é uma das muitas exposições da Festa da Ilustração 2016, organizada pela autarquia em parceira com a DDLX Design Comunicação e a Abysmo Editora.

Luís Filipe de Abreu, Nuno Saraiva, Luís Afonso e André Carrilho são alguns dos ilustradores que marcam presença na segunda edição do evento, que arrancou no dia 3, com exposições em diversos espaços do concelho.

Uma delas é a mostra “Ilustração”, de Luís Filipe de Abreu, artista com uma longa carreira, responsável, entre muitos outros trabalhos, pela criação de centenas de selos, vários deles premiados, assim como de notas do Banco de Portugal, caso concreto da antiga nota de cem escudos, em que figurava Fernando Pessoa.

A mostra está patente na Galeria Municipal do 11 e abre ao público no dia 9, às 18h30, onde se mantem até 3 de julho.

A Casa da Baía recebe a coletiva de contemporâneos “Ilustração Portuguesa”, iniciativa que fez parte da edição inaugural do certame e que se inspira na mostra homónima que marcou a agenda cultural portuguesa no final dos anos 90. A mostra está patente até 3 de julho.

A Festa da Ilustração 2016 conta, também, com o regresso de André Carrilho a Setúbal, presente no Museu do Trabalho Michel Giacometti, no dia 25, às 17h30, para desenhar ao vivo.

O ilustrador termina em Setúbal o projeto “Desenhar em Cima da Conserva”, com origem na loja Conserveira de Lisboa, e que, ao longo de um ano, desafiou um conjunto de artistas plásticos a, todos os meses, contribuírem com fragmentos para uma história que será publicada em livro durante o verão.

Além desta mostra, composta por um total de 12 painéis, patente desde 4 de junho e até 3 de julho, o Museu do Trabalho Michel Giacometti recebe, no mesmo período, as coletivas “Resumo da Matéria Dada”, constituída por clássicos da ilustração dedicados ao 25 de Abril, e “Fora de Muros”, com desenhos feitos por reclusos do Estabelecimento Prisional de Setúbal inspirados em Bocage e no Desporto.

O certame acolhe, igualmente, no Teatro de Bolso, o trabalho de Luís Afonso, nomeadamente os famosos cartoons humorísticos “Bartoon”, que há mais de vinte anos figuram no jornal “Público”. A mostra pode ser visitada de quinta-feira a domingo, até 3 de julho.

Numa outra exposição, a coletiva “Daqui e de Agora – O Lugar do Desenho”, dez ilustradores setubalenses ou residentes no concelho apresentam, no Palácio Fryxell, diferentes interpretações sobre o tema da indústria das conservas de peixe. A mostra está patente até 3 de julho.

Nas mesmas datas, são expostas “Sobreviver”, na Casa da Cultura, com trabalhos recentes de João de Azevedo sobre refugiados, e “Cadernos de Viagens”, na Biblioteca Pública Municipal de Setúbal, mostra de vários autores, coordenada pelo designer Niels Fischer, sobre o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen.

Na Casa da Avenida, lança-se um outro desafio. “É preciso contar uma história?” acolhe entre 9 junho e 3 de julho exposições orientadas para o público infantil, nomeadamente de Planeta Tangerina e Gémeo Luís, visitas guiadas e ateliers, assim como sessões de leitura com Madalena Matoso e Yara Kono.

Na órbita da Festa da Ilustração giram ainda várias outras atividades, como “TPC”, mostra patente até 3 de julho nos claustros do Instituto Politécnico de Setúbal constituída pelos melhores trabalhos de alunos de escolas superiores de artes.

A Festa da Ilustração de 2016 conta com um catálogo abrangente de todas as iniciativas previstas e propôs à população escolar do concelho, através da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, o desafio de apresentar desenhos sobre como veem o futuro. O melhor trabalho será posteriormente cunhado.

O desafio proposto à comunidade escolar é também materializado na exposição “Desenhar a Moeda”, que pode visitada até 3 de julho, na Galeria Municipal do Banco de Portugal.

Ainda no âmbito da comunidade escolar, em armazéns defronte da Lota de Setúbal, são apresentados desenhos de alunos da região que fizeram retratos de Bocage e é dada a oportunidade de estudantes de artes do ensino secundário exporem pela primeira vez os seus trabalhos ao público.

“Conheces Bocage?” e “Sumário” estão patentes de 7 de junho a 3 de julho na Oficina do Porto de Setúbal. A mostra com a temática de Bocage está também, entre as mesmas datas, na Sociedade Filarmónica Perpétua Azeitonense.

Além de exposições, a Festa da Ilustração 2016 inclui um conjunto de outras iniciativas culturais, como um concerto com Jibóia, dia 24, às 23h30, de entrada gratuita, na Sala José Afonso da Casa da Cultura.

Igualmente na Casa da Cultura, o ciclo Cinema Cá em Casa de junho é dedicado à Festa da Ilustração 2016, sempre às 21h30, com entradas a 1 euro. São exibidas as animações “Persépolis”, no dia 9, “Idiots & Angels”, a 16, “O Gato do Rabino”, a 23, e “Cor de Pel: Mel”, a 30.

Já na Casa d’Avenida, até dia 26, há “A Festa do Livro Ilustrado”, com livros nos quais a ilustração é protagonista.

Na Festa da Ilustração 2016 já se realizam a exibição do filme “Jean de La Lune”, no dia 2, e um cineconcerto com Charlie Mancini, a 4.