O colóquio, promovido pela Embaixada da África do Sul, com a colaboração da Câmara Municipal, decorreu durante todo o dia e contou com as participações de várias individualidades, como a presidente da Autarquia, Maria das Dores Meira, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Luís Amado e a embaixadora da África do Sul, Keitumetse Matthews.

Sob o título “Fundação Nelson Mandela – Diálogo para a Justiça: Perpetuando o Legado de Nelson Mandela com a Diáspora Africana em Portugal”, as diferentes intervenções realizadas ao longo da manhã recordaram a importância do ideal deixado pelo antigo dirigente sul-africano e abordaram questões relacionadas com os direitos humanos em Portugal e no mundo.

“Para nós, cidade multicultural que somos, cidade aberta que gostamos de ser para aqui bem acolher todos os que nos procuram, Nelson Mandela é uma inspiração, é um exemplo de resistência, em exemplo de como, com perseverança, resistência e luta é possível alcançar a justiça”, sublinhou, na abertura do encontro, a presidente da Câmara Municipal de Setúbal.

Maria das Dores Meira, que assumiu o orgulho sentido por Setúbal ter sido escolhida para a realização da conferência, recordou as estreitas ligações históricas e culturais entre Portugal e a África do Sul.

“Portugal e a revolução de Abril de 1974 acabaram por ser fatores de enorme importância para o fim do apartheid, ao devolver aos países africanos colonizados a longamente ansiada independência que permitiu um maior isolamento das políticas segregacionistas sul-africanas”, sublinhou, acrescentando que é também motivo de orgulho a “capacidade libertadora que a Revolução dos Cravos teve além-mar”.

Luís Amado, moderador do primeiro painel de intervenções, considera que “os portugueses deviam celebrar mais a figura de Nelson Mandela”, por se tratar do “grande responsável por estabilizar a África do Sul num período conturbado de transição”, assumindo um papel especial na “tranquilização da comunidade portuguesa residente naquele país”.

Na sessão de abertura dos trabalhos, a embaixadora da África do Sul em Portugal, ao referir-se à importância da organização de eventos como o que hoje se realiza em Setúbal, frisou que “a mediação é uma ferramenta muito poderosa e que não é usada as vezes suficientes para dirimir conflitos”.

Keitumetse Matthews elogiou o trabalho desenvolvido pela presidente da Câmara de Setúbal, confessando ter testemunhado o reconhecimento público do Presidente da República, pelas comemorações do 10 de Junho, ao entregar à autarca o título de Comendadora da Ordem do Mérito. “O trabalho desenvolvido num bairro e numa escola nos últimos anos [Bela Vista], antes vistos como problemáticos, mas que agora, com a participação ativa dos próprios moradores, está a mudar para melhor, é significativo e vai ao encontro dos princípios de vida e ensinamentos deixados por Nelson Mandela.”

A diplomata reforçou que “a melhor forma de honrar o legado [de Mandela] é viver segundo o seu legado”, concluindo que “as mudanças só ocorrem quando se fazem ações que procuram resultados”.

O diretor executivo da Fundação Nelson Mandela, Sello Hatang, que também traçou um paralelismo histórico e cultural entre Portugal e a África do Sul, abordou os objetivos da instituição que dirige.

Um deles, pedido expressamente por Mandela, era de que a fundação deveria realizar iniciativas em todo mundo para recordar o que é viver sem justiça social, condição contra a qual o famoso dirigente combateu precisamente durante 67 anos.

“Certo dia, [Mandela] chamou o diretor da fundação anterior e perguntou-lhe se via lógica em organizar conferências e encontros entre pessoas que não têm animosidades. Disse-lhe que teria que rever esse conceito. ‘Quando se reúnem, os amigos não dialogam, conversam. O que se pretende é que pessoas que não se entendam por algum motivo, sentem-se, olhem-se nos olhos e dialoguem’”, partilhou Sello Hatang com a plateia.

O primeiro painel da conferência foi dedicado ao tema “Visão Global dos Direitos Humanos”.

Além da moderação de Luís Amado, contou com as participações de Mónica Frechaut, do Conselho Português para os Refugiados, de Wolfgang Gotz, diretor do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, e de Pedro Calado, alto-comissário para as migrações.

Mónica Frechaut, com a apresentação “Direitos Consagrados – Carta dos Refugiados”, indicou que dados das Nações Unidas revelam que, em média, 17 pessoas têm de fugir do país de origem por hora.

A palestrante apontou que “uma solução para os direitos dos refugiados só pode ser alcançada através da cooperação internacional”, o que garantirá maior conforto para quem se vê na contingência de se tornar num refugiado e ajudará a minimizar o esforço despendido pelos países que frequentemente acolhem pessoas nesta condição.

Principalmente, “há que lembrar que ninguém escolhe ser refugiado”, sublinhou.

“O Tráfico de Droga e de Pessoas: Instrumentos para a Juventude evitar esta armadilha” foi o título da apresentação conduzida por Wolfgang Gotz.

O diretor do observatório europeu focou algumas questões relacionadas com o crime organizado e como se pode combater o tráfico de drogas e de pessoas.

Adiantou que as crianças são “a maioria das vítimas do tráfico humano” e que “os jovens são os que mais facilmente se deixam seduzir pelo mundo da droga”. A pró-atividade no combate a estes fenómenos sociais e o reconhecimento de que “há setores da sociedade mais vulneráveis do que outros”, com a pobreza a encabeçar a lista de motivos na origem dos problemas, foram alguns aspetos destacados.

O alto-comissário Pedro Calado, que falou sobre “O papel do Alto-Comissariado para as Migrações”, sublinhou que, na atualidade, Portugal é um dos países reconhecidos internacionalmente como sendo dos mais avançados em matéria de imigração.

Todavia, alertou para o enorme desequilíbrio na balança demográfica nacional, com valores que indicam que existem cerca de 4,5 milhões de portugueses emigrantes, de primeira e segunda geração, e que, em contrapartida, apenas vivem em Portugal cerca de 400 mil imigrantes.

“É um problema que, ostensivamente, acaba por colocar em causa a sustentabilidade de um país”, concluiu.

Pedro Calado apontou ainda que é necessário alterar alguns paradigmas, pois “migrar não deverá ser a coisa mais complexa de se fazer. Tem de ser um processo simples e natural”, pelo que apontou, entre outros, o caminho da desburocratização como uma das soluções possíveis para se reequilibrar a balança demográfica portuguesa.

Nesse sentido, exemplificou que, através de uma alteração legal implementada em 2010, disparou para as dezenas de milhares o número de filhos de imigrantes que assumiram a nacionalidade portuguesa nos últimos anos.

A promoção do diálogo intercultural, a melhoria dos serviços de integração e a integração de descendentes de imigrantes deverão ser apostas da política nacional nos próximos anos em matéria de migração.

A conferência, que na sessão de abertura contou com as atuações do grupo BelaBatuke, da Bela Vista, e da Associação de Teatro IBISCO, por intermédio do Centro Cultural Africano, prosseguiu à tarde com os painéis “Valores, Direitos e Justiça nos Tempos Atuais” e “Educação para o Desenvolvimento”.

Entre mais de uma dezena de apresentações, entre as quais figuraram as das embaixadoras da Argélia, Fatiha Selmane, e da Nigéria, Ijeoma Bristol, o encerramento do encontro esteve a cargo do chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Artur Pina Monteiro.

A organização da conferência teve ainda a colaboração do Centro Cultural Africano e do Fundo de Apoio Social de Cabo-Verdianos em Portugal.