Os esgrimistas Maria José Nápoles e Joaquim Videira e os velejadores Carlos Ribeiro Ferreira, Francisco Andrade e Sara Carmo foram os oradores de “Conversas Olímpicas”, iniciativa organizada numa parceria da Câmara Municipal de Setúbal com o Comité Olímpico de Portugal, no âmbito de Setúbal Cidade Europeia do Desporto 2016.

Num ambiente informal e descontraído, partilharam experiências, curiosidades e episódios engraçados dos tempos em que representaram Portugal nos Jogos. Apesar de terem participado em épocas distintas, com percursos e resultados diferentes para contar, foram unânimes em afirmar que a experiência é única, grandiosa e inesquecível.

“É uma realidade completamente diferente e ficamos com um brilhozinho nos olhos quando lá estamos. Desliguei-me da modalidade logo após os Jogos de 1960, mas nunca se apaga o espírito e fico sempre abismada sempre que vejo os Jogos na televisão”, contou Maria José Nápoles, que, na altura com 23 anos, foi a única mulher esgrimista a integrar a comitiva portuguesa nos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960.

Ser mulher num desporto que na altura “pertencia” aos homens, sobretudo aos militares, não era fácil e Maria José sentia-se um pouco isolada. “Com 23 anos foi um choque muito grande estar num ambiente desconhecido, sem nunca antes ter tido contactos internacionais. Eu sentia-me assustada e, talvez por isso, perdi logo de início. Mas foi uma experiência muito positiva.

Afastada do desporto há mais de cinquenta anos, a antiga esgrimista recordou ainda como “era difícil, naqueles tempos, ser atleta, pois existia um pouco de desprezo e não havia o acompanhamento devido”.

Ao contrário de Maria José, que confessou ter conseguido o apuramento “um pouco por acaso”, Carlos Ferreira, antigo velejador da classe Dragão, garantiu que a sua maior ambição sempre foi apurar-se para os Jogos Olímpicos e conseguiu o feito por duas vezes, em 1960 e em 1964.

De Roma e Tóquio, respetivamente, guarda experiências “inesquecíveis” e partilha o sentimento de que a participação nos Jogos Olímpicos é algo que os atletas “querem muito mais do que outras competições”, como campeonatos europeus ou campeonatos do mundo.

“É outro mundo. Sentimos que ali se passa algo diferente e é espetacular. Por isso, a apetência para irmos aos Jogos é muito grande, ou seja, há uma garra maior para competir e conseguir o apuramento”, garantiu o antigo velejador.

Carlos Ferreira tem consciência de que a embarcação que pilotava, na classe Dragão, evoluiu muito desde 1960, como é caso do material de construção, que na altura era madeira e hoje é fibra de vidro, além de o barco “permitir muito mais afinações” atualmente. “É um brinquedo de Fórmula 1 que hoje em dia seria um desafio excecional para mim. Ao mesmo tempo, exigiria muito mais preparação física, pois agora o treino de ginásio é fundamental.”

Habituada às embarcações mais atuais está Sara Carmo, atleta de vela que participou nos Jogos de Londres 2012 e marca presença no Rio de Janeiro, este ano. Sara garantiu, no entanto, que, apesar de os barcos terem evoluído, “a essência da vela continua a ser a mesma e os grandes adversários são, sempre, as condições meteorológicas”.

A atleta manifestou, ainda, alguma preocupação sobre o estado atual da modalidade, sentimento que confessou ter sido partilhado pelos outros velejadores antes do início do encontro no auditório da Escola de Hotelaria e Turismo de Setúbal.

Sara Carmo lamentou que a vela não esteja a crescer em Portugal “em termos do número de participantes”, apesar de ser uma modalidade com tradição no país. “Não há renovação, não há camadas jovens a chegarem aos Jogos. Por exemplo, todos os cinco velejadores que vão ao Rio estiveram presentes em Jogos anteriores. Nesse sentido, a vela não está a trabalhar bem.”

Também Francisco Andrade, que conta no currículo com duas participações em Pequim 2008 e Londres 2012, lança críticas, não só ao estado da modalidade, mas também à forma como a Federação Internacional de Vela tem gerido a modalidade.

“Antigamente, o barco era feito à medida do velejador, que podia ajudar na sua construção. Hoje a Federação Internacional de Vela tem muitas regras e lobbies e os barcos são limitados. Há construtores específicos e não temos grande escolha do que podemos fazer com os barcos”, lamentou.

Francisco Andrade, que desistiu da carreira olímpica após os Jogos de 2012, confessou que um dos fatores que contribuiu para essa decisão foi por considerar que há falta de apoios para os atletas em Portugal. “Não temos uma estrutura profissional por trás a apoiar devidamente e assim é difícil continuar.”

Também o esgrimista Joaquim Videira, que esteve em Pequim em 2008, desistiu da carreira olímpica, mas por motivos diferentes. O nascimento do filho e as “dificuldades cada vez maiores em conciliar a esgrima com a vida profissional e pessoal” levaram-no a desistir e hoje trabalha no Gabinete de Estudos e Projetos do Comité Olímpico de Portugal.

Joaquim não se arrepende da decisão, mas foi perentório ao afirmar que ir aos Jogos Olímpicos era o seu sonho de menino. “Pouco antes de ir a Pequim, descobri uma antiga composição de quando tinha 12 anos na qual dizia que o meu sonho era participar nos Jogos. Sinto que toda a minha vida trabalhei para isso e a experiência que vivi lá é inesquecível.”

A Escola de Hotelaria e Turismo de Setúbal volta a juntar, no dia 25, às 18h00, outros atletas olímpicos portugueses para mais uma conversa informal de partilha de experiências.

Os encontros enquadram-se num protocolo celebrado entre a Câmara Municipal de Setúbal e o Comité Olímpico de Portugal, que inclui a dinamização de um vasto conjunto de atividades, a par de um programa de educação olímpica direcionado para as escolas do 1.º ciclo do ensino básico.

Estas “Conversas Olímpicas” são complementares à exposição “Jogos Olímpicos: Memórias e Vitórias de Portugal”, patente até 30 de maio na Galeria Municipal do 11, localizada no edifício onde funciona a Escola de Hotelaria e Turismo de Setúbal, que inclui fotografias das diversas participações portuguesas no evento mundial, entre 1912 a 2012.

O público tem a oportunidade de admirar imagens de momentos marcantes dos Jogos Olímpicos e da participação portuguesa, mascotes olímpicas, coleções de painéis sobre as tochas olímpicas e de cartazes das várias edições e manequins com trajes das missões portuguesas.

Um exemplar da tocha olímpica e a “pétala” que representou a participação de Portugal nos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, são atrativos desta mostra, que pode ser visitada de terça a sexta-feira das 11h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00 e aos sábados das 14h00 às 18h00.