Webinar - “Covid19 – da coordenação à resposta na União Europeia”

As dificuldades e os desafios que se colocaram na resposta à pandemia de Covid-19 na União Europeia, em Portugal e em Setúbal estiveram em análise a 26 de março à tarde, num webinar internacional promovido pela Câmara Municipal.


O encontro “Covid19 – da coordenação à resposta na União Europeia”, organizado em parceria com o Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil, o Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa e o Instituto Politécnico de Setúbal, juntou um painel de responsáveis e especialistas que abordaram a perspetiva da coordenação e da resposta a nível europeu, nacional e local no combate à crise pandémica.

“Este é mais um dos contributos que, em Setúbal, quisemos dar para o debate suscitado pela pandemia e pela necessidade de extrairmos dela as múltiplas lições que disponibiliza, visando o aperfeiçoamento dos sistemas de proteção civil, saúde pública e segurança interna e, consequentemente, o reforço da segurança das populações”, sublinhou a presidente da autarquia, Maria das Dores Meira, na sessão de abertura.

A autarca destacou o trabalho desenvolvido pelo município nas áreas da segurança e da proteção civil, em particular com a execução de vários instrumentos de planeamento e a realização constante de exercícios e simulacros.

“Os objetivos são contribuir para a criação de hábitos de segurança e testar e afinar as capacidades dos nossos agentes de proteção civil e empresas em que os riscos justificam este tipo de ações.”

Maria das Dores Meira frisou que a autarquia apostou na “mudança do atual conceito de gestão de catástrofes, que implica comportamento reativo, para um conceito de gestão que implica comportamento proativo” face a ocorrências disruptivas, de qualquer natureza, que comprometam a normalidade da vida das comunidades e ameace a vida das pessoas.

Esta mudança de paradigma, acrescentou, “implica a definição de funções claras a todos os níveis e, claro, numa perspetiva sistémica que integre categorias de risco económico, ambiental, geopolítico, social, tecnológico e outros”.

O webinar prosseguiu com uma primeira apresentação, na qual a diretora-geral da Proteção Civil e das Operações de Ajuda Humanitária Europeias, da Comissão Europeia, Paraskevi Michou, abordou as dificuldades que se colocaram à coordenação e à resposta à crise pandémica na União Europeia.

A responsável reconheceu que “ninguém estava preparado para enfrentar uma crise deste género” e que foi “um grande desafio” conseguir reunir uma equipa de coordenação.

“Nem a União Europeia, nem os Estados-membros, ninguém estava preparado para esta pandemia a nível global. Todos os países enfrentavam as mesmas necessidades e a solidariedade foi muito importante.”

No início da crise pandémica, esta solidariedade entre os países fez-se, sobretudo, notar no desafio de conseguir enviar materiais médicos e equipamentos de proteção individual para os países que deles necessitavam.

Paraskevi Michou assume que esta questão levou a União Europeia a perceber que dependia muito de outros países relativamente a estes materiais e que tinha de “trabalhar para se tornar mais autossuficiente e ficar mais bem preparada para situações futuras”.

A nível da coordenação, também não correu bem. “No início da crise não se falava a uma só voz”, reconheceu.

“A Proteção Civil fez tudo o que podia para responder às necessidades, mas não havia uma boa coordenação. Temos de trabalhar num sistema de gestão de crises que nos torne mais autónomos e mais bem coordenados e criar bases de trabalho para defendermos a Europa e ajudar-nos uns aos outros.”

Michou considera, igualmente, que é necessária “uma maior proatividade e flexibilidade para melhorar a resposta dos Estados-membros face a uma crise deste género”.

Atualmente, os principais desafios ao nível da resposta humanitária da situação pandémica relacionam-se com a vacinação e a forma de a fazer chegar a países mais vulneráveis. “Ninguém está a salvo até que estejamos todos salvos. Temos de apoiar a equidade no acesso à vacina.”

A responsável confessa estar otimista e acredita que no segundo trimestre do ano “haverá uma maior quantidade de vacinas e que 70 por cento da população estará vacinada até ao verão”.

Além da resposta a nível das instituições europeias, também a resposta local, concretamente no concelho de Setúbal, foi pautada por desafios abordados na apresentação partilhada pelo vereador da Proteção Civil da Câmara Municipal, Carlos Rabaçal.

O autarca sublinhou o “papel decisivo” desempenhado pelas autarquias no combate à pandemia e enquadrou todo o trabalho desenvolvido pelo município de Setúbal, desde o dia 14 de janeiro de 2020 quando a Direção-Geral da Saúde alertou para um surto de uma doença respiratória na cidade chinesa de Wuhan.

“Estávamos preocupados e isso despoletou um conjunto de ações de preparação de resposta à pandemia no município.” 

O início oficial desta “caminhada” deu-se a 12 de março quando Setúbal foi a primeira autarquia do país a declarar a Situação de Alerta e acionar o Plano Municipal de Emergência de Proteção Civil, “numa demonstração de total compreensão e antecipação das dificuldades que se aproximavam”.

A partir daí, desenvolveu-se um vasto trabalho que envolveu todos os serviços municipais, bem como as cinco juntas de freguesia e outras instituições na distribuição de bens essenciais a quem não podia sair de casa, desinfeção de espaços públicos, criação de locais de alojamento provisório para trabalhadores na área da saúde, apoio a produtores e a empresários e programas culturais para a população readaptados à realidade pandémica.

Carlos Rabaçal sublinhou que este “intenso trabalho de proteção das pessoas” está agora numa fase de menor pressão, “aproveitada para corrigir alguns aspetos e melhorar respostas a situações futuras”.

O autarca alertou, no entanto, para a “falta de articulação” entre a Comissão Nacional de Proteção Civil e a Comissão Distrital e “dentro da própria área da saúde, entre o hospital, os centros de saúde e a saúde pública, tendo sido muitas vezes a Câmara Municipal de Setúbal a fazer um esforço suplementar para garantir essa articulação a nível regional”.

Relativamente à saúde pública, lamentou que esta tenha “recusado o apoio da Câmara Municipal de Setúbal”, que disponibilizou em janeiro dez pessoas para ajudar no acompanhamento das linhas de contágio. “A situação perdeu o controlo em Setúbal, que até então tinha uma história razoável desde o início da pandemia.”

Carlos Rabaçal destacou que Setúbal decidiu manter uma estrutura permanente de combate à pandemia de forma a acompanhar a realidade e a preparar a resposta a situações futuras. “É fundamental manter a vigilância e apostar na prevenção. Por isso, tudo o que montámos nos últimos tempos é para manter.”

Após uma sessão de perguntas e respostas por parte de alguns dos mais de sessenta participantes no webinar, com moderação de José Luís Zêzere, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, a sessão prosseguiu com a mesa-redonda “Covid-19 – A resposta nacional – Segurança, Proteção Civil, Saúde e Municípios”.

Carlos Rodrigues, do Instituto de Defesa Nacional, alertou para a necessidade de haver “conceitos comuns na crise e na segurança para que haja uma linguagem comum a todos os níveis”.

O responsável sublinhou que para a resiliência do Estado e da sociedade “é muito importante a manutenção de uma cultura de segurança” e que “a cooperação e as parcerias são a chave, pois nada é resolvido por um só ator”.

Carlos Rodrigues considera que o mundo atravessa “uma crise de longo prazo” e questiona se “estaremos perante uma situação de rutura em que será criada uma nova realidade que incorpora e supera a realidade anterior”.

O planeamento estratégico é essencial, considera, pelo que é necessário “estabelecer objetivos, criar um cronograma e gerir recursos”, numa abordagem abrangente, integrada, holística e cooperativa.

Também Filipe Froes, coordenador do Gabinete de Crise Covid-19 da Ordem dos Médicos, considera que o mundo está a viver uma das maiores crises, para a qual existe “uma solução provisória”, as vacinas.

O médico garante que as vacinas que existem atualmente para a Covid-19 “são todas boas” e alerta que não se deve “condicionar comportamentos com informações que não são comparáveis”.

Isto porque, salientou, como “os ensaios das vacinas são diferentes e realizados com diferentes medidas de eficácia e com métodos diferentes, os resultados não são iguais”.

Quanto às lições que se podem tirar, Filipe Froes coloca como uma das principais a necessidade de uma maior valorização do Serviço Nacional de Saúde, que “aguentou mais de 95 por cento do trabalho e da complexidade da pandemia”.

O responsável alertou, igualmente, para alguns desafios nos próximos tempos, designadamente “a duração da imunidade provocada pela doença e pelas vacinas, o impacte das novas variantes e o impacte dos menores de 18 anos, não vacinados, como vetores de transmissão”.

A mesa-redonda terminou com uma apresentação de André Fernandes, comandante nacional de operações da ANEPC – Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil.

“Começamos cedo a preparar os planos de contingência e desenvolvemos uma série de instrumentos para o combate à resposta, antes de aparecerem os primeiros casos em Portugal”, garantiu o responsável.

Neste processo, referiu, “nada teria sido possível sem os municípios, que sustentaram e vão continuar a sustentar toda esta operação”.

O Plano de Operações PONCoV foi um dos instrumentos criados pela ANEPC com o objetivo de “minimizar o impacte da pandemia no que respeita às possíveis disfunções nos corpos de bombeiros e estrutura operacional, a fim de garantir, tanto quanto possível, a continuidade da prestação do socorro”.

A monitorização permanente do estado de prontidão dos corpos de bombeiros é outra prioridade, sendo possível “saber sempre quantos bombeiros são afetados pela pandemia”.

Nesta matéria, André Fernandes garante que “nunca houve uma disrupção total a nível dos bombeiros” e esteve “sempre garantida a estrutura de socorro a nível nacional”.

O responsável considera “ninguém estava verdadeiramente atento” às preocupações com o surgimento de uma eventual pandemia, pelo que “a gestão desta crise foi e continuará a ser um grande desafio”.

Depois de nova sessão de perguntas e respostas, moderada por José Luís Zêzere, a síntese conclusiva do encontro esteve a cargo de Duarte Caldeira, coordenador da Plataforma Setúbal, que deixou para reflexão uma questão sobre as “lições que se podem retirar desta crise para melhorar os esforços de coordenação e de cooperação”.

O especialista sublinhou que “ainda é prematuro falar de se retirar grandes lições, pois ainda decorre uma fase de resposta”, mas “é necessário identificar já as lições para mais tarde se retiraram consequências”.

Duarte Caldeia apontou a “muito relevante intervenção dos órgãos de proximidade” e a capacidade de adaptação dos municípios na resposta e na busca de soluções.

“Esta é uma lição extraordinária da qual se devem retirar consequências. Há que colocar a Proteção Civil Municipal no patamar que merece, pois é a este nível que se conseguem resultados melhores.”

O webinar “Covid19 – da Europa ao Local – da Coordenação à Resposta”, substitui a III Conferência Internacional Riscos, Segurança e Cidadania, com realização prevista para Setúbal, no final de março, entretanto adiada para 2022 em virtude dos constrangimentos do atual quadro de crise sanitária.