Setúbal, terra de cores, de sabores, de sensações que brotam tanto da constante efervescência da vida urbana, como da beleza do mundo rural, vive, na sua essência, das suas gentes, tendo ou não nascido à beira-Sado. Nesta página apresentamos algumas – entre muitas possíveis – das personalidades que virtuosamente marcaram as páginas da história do concelho.

Durante 65 anos, Setúbal posou para a objetiva de Américo Ribeiro, fotógrafo que viu e viveu o concelho como poucos

Entre 1927, altura em que, com 21 anos, comprou por 60 escudos a primeira máquina fotográfica, e 1992, ano do seu falecimento, realizou mais de 100 mil instantâneos, adquiridos, quase todos, pela Câmara Municipal.

Carpinteiro e empregado de balcão antes de se dedicar por completo àquela que seria a paixão da sua vida, foi graças ao apoio oferecido pelo proprietário da tabacaria onde trabalhava na época que Américo Ribeiro pôde iniciar a carreira de fotógrafo.

A mudança para repórter-fotográfico deu-se naturalmente, primeiro por intermédio dos jornais O Setubalense e Diário de Notícias, do qual era correspondente já em 1929, a que se seguiram O Século, A Bola, Correio da Manhã, Diário Popular, Diário de Lisboa e Indústria, entre muitos outros.

A íntima ligação com Setúbal, onde nasceu no dia 1 de janeiro de 1906, reflete-se através da proximidade com o povo e, por exemplo, com diferentes coletividades locais, como o Grupo Dramático Juvenil de Setúbal e o Orfeão Cetóbriga. Ultrapassou os 50 anos de sócio do Vitória Futebol Clube e foi um dos mais antigos da Sociedade Musical Capricho Setubalense, da qual chegou a ser diretor.

Momentos da história do Concelho ficaram registados em imagem graças ao olhar de Américo Ribeiro. As visitas de vários presidentes da República Portuguesa e da rainha Isabel de Inglaterra e a queda de um avião britânico em Troia, durante a II Guerra Mundial, são disso exemplos.

A lente do fotógrafo setubalense chegou, inclusivamente, a captar um jantar de militares alemães, oferecido nas instalações de uma fábrica de conservas pelo proprietário local, simpatizante da ideologia nazi.

A qualidade do seu legado fotográfico foi homenageada, ainda em vida, com a Medalha de Honra da Cidade, na Classe Cultura, entregue em 1985 pela Câmara Municipal, e, em 1991, com a Medalha de Mérito Distrital.

Colecionador de máquinas fotográficas, realizou várias exposições e teve o seu trabalho patente em países como a antiga República Federal Alemã, França e Inglaterra.

Américo Ribeiro morreu no dia 10 de julho de 1992.

Fonte: “Setubalenses de Mérito – 120 fotografias”, João Francisco Envia

Ana de Castro Osório, escritora e militante dos direitos das mulheres, nascida em Mangualde, em 18 de junho de 1872, mas setubalense por opção, morreu em 23 de março de 1935, deixando vasta obra literária.

Casada com Paulino Oliveira – também escritor e poeta – dedicou-se à literatura para crianças, embora também tenha escrito para adultos vários romances, novelas, comédias e contos.

Alguns destes textos foram traduzidos para castelhano, francês e italiano, enquanto outros estão dispersos por jornais e revistas portugueses e estrangeiros. “Para Crianças” é o título de uma coleção editada por ela composta por 18 volumes.

Desenvolveu atividade a favor dos direitos das mulheres, colaborando, com Afonso Costa, na elaboração da Lei do Divórcio.

Na luta pela emancipação feminina publicou, em 1905, “Às Mulheres Portuguesas”, seleção de vários artigos escritos para jornais e revistas.

Neste volume, de 250 páginas, aponta o trabalho como “passo definitivo para a libertação feminina”, aconselhando as mulheres a não fazer do amor o “ideal único de existência” e a serem “criaturas de inteligência e de razão”.

Da rapariga da época faz um retrato contundente: “Não tem opiniões para não ser pedante, não lê para não ser doutora e não ver espavoridos os noivos.”

Na luta contra o sexismo, reclama para “igual trabalho, igual paga”, consciente de não haver “nada mais justo, nada mais razoável, do que este caminhar seguro, embora lento, do espírito feminino para a sua autonomia”.

Escreveu, também, para a revista “Sociedade Futura” e esteve na criação da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e da Cruzada das Mulheres Portuguesas, que tinha por objetivo ajudar os soldados que participaram na I Guerra Mundial, bem como as famílias.

Como reconhecimento, a Liga dos Combatentes da Grande Guerra tem no salão da sede, em Lisboa, um busto dela em bronze.

Militante ativa, juntamente com o marido, na luta pela implantação da República, foi presidente da Escola Liberal de Setúbal.

Num tempo em que as mulheres tinham poucos ou nenhuns direitos cívicos, foi a única a participar num Congresso Municipal em Évora, ao qual apresentou uma tese.

Condecorada pela República com a Ordem de Santiago, recusou a distinção. O Estado Novo concedeu-lhe a Ordem de Mérito Agrícola e Industrial.

Fonte principal: “Setubalenses de Mérito – 120 fotografias”, João Francisco Envia

Manuel Maria Barbosa du Bocage, considerado por muitos o maior poeta português do século XVIII, nasceu em Setúbal, no número 12 da Rua Edmond Bartissol, a 15 de setembro de 1765

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão de altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno; (…)

Assim se via Manuel Maria Barbosa du Bocage, considerado por muitos o maior poeta português do século XVIII.

Bocage nasceu em Setúbal, no número 12 da Rua Edmond Bartissol, a 15 de setembro de 1765.

Desde muito cedo que levou uma vida atribulada, assentando praça aos 14 anos de idade e ingressando na Academia Real da Marinha aos 15. Os anos seguintes dividiu-os pelo estudo e pela vida boémia das cidades.

Na sua época, Portugal enfrentava tempos difíceis. A economia era frágil, o ouro do Brasil começava a escassear e o que vinha para o país era todo conduzido para a luxúria da Corte, o erário público era gasto com as despesas da marinha e do exército, as reformas do Marquês de Pombal não eram respeitadas e o povo passava fome.

Simultaneamente, em França, os tempos eram de mudança e revolta. Luís XVI e Maria Antonieta haviam sido decapitados por altura da revolução de 1789 e espalhavam-se pela Europa os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Em Portugal, os cafés, principalmente os de Lisboa, eram pontos privilegiados de debates políticos e encontros de subversão contra o Governo.

D. Maria I enlouquecera e foi o Intendente Diogo Inácio de Pina Manique quem assumira o poder, instaurando um regime totalitário e repressivo, agravando, ainda mais, a conjuntura.

Depois do regresso a Portugal, em 1790, vindo de uma passagem agitada pelo Oriente, Bocage levou, durante uma década, uma vida de boémio em Lisboa, onde, por exemplo no Botequim das Parras ou no Café Nicola, marcou presença quase todas as noites, juntando admiradores e criando grandes amizades, devido ao carisma e às críticas que ia rubricando contra o despotismo de Pina Manique, sobre os vários problemas do país e ausência dos direitos humanos, hoje em dia, considerados elementares.

Personalidades do regime, classes sociais e clero também não escaparam à visão crítica e audaz do escritor, que, por essa altura, já se apelidava de Elmano Sadino, anagrama adquirido quando aderiu à Nova Arcádia, onde foi protegido, durante algum tempo, por Filinto Elísio e pela marquesa de Alorna.

Naturalmente que o espírito livre, rebelde e contestatário de Bocage entrou de forma irremediável em conflito com a autoridade, sendo, em 1797, preso por “desbragamento de costumes e livre pensamento”.

A Inquisição condenou-o a receber doutrina pelos oratorianos, no mosteiro de S. Bento. Quando terminou a pena, era um homem diferente, passando a trabalhar, vivendo em dificuldades e a sustentar uma irmã.

Apesar de ter pertencido formalmente a uma escola poética neoclássica, Elmano Sadino era já um pré-romântico por temperamento, lamentando-se do destino e da infelicidade e lutando contra as violentas contradições existenciais típicas dos autores românticos.

Do erotismo ao brejeirismo, da crítica construtiva ao escárnio, Bocage escreveu, até à morte, em 21 de dezembro de 1805, em Lisboa, de tudo e sobre tudo, sendo, por isso, alvo de censura durante toda a vida, tendo visto muitos versos cortados, largamente alterados ou simplesmente omitidos e publicados apenas a título póstumo.

Índice Biobibliográfico

Em fevereiro de 2016, no âmbito das Comemorações dos 250 Anos do Nascimento de Bocage, a Câmara Municipal de Setúbal, em colaboração com o investigador Daniel Pires, do Centro de Estudos Bocageanos, publicou o Índice Biobibliográfico de Bocage – Coleções Documentais da Casa Bocage, Biblioteca Pública, Museus e Arquivo Municipal de Setúbal.

Este índex apresenta-se como um dos mais úteis pontos de partidas existentes para qualquer investigação que se pretenda realizar sobre o poeta setubalense.

A versão digital do documento pode ser consultada nesta ligação.

António Maria Eusébio, o “Calafate”, nome pelo qual era conhecido devido à profissão que tinha, poeta analfabeto e apelidado também de “o cantador de Setúbal”, somente aos 84 anos de idade publica os seus versos em folhetos

O “Cantador de Setúbal” nasceu a 15 de dezembro de 1819, na extinta freguesia da Anunciada, na antiga Rua dos Marmelinhos, atualmente batizada de Rua António Maria Eusébio. O poeta morreu a 22 de novembro de 1911.

Apenas em 1904, já com 84 anos de idade, começou a pôr em versos, publicados em folhetos, a forma como via e vivia Setúbal, ganhando com isso a subsistência.

A publicação de folhetos com esses versos foi ideia de um amigo, o general Henrique das Neves, que juntou 50 pessoas dispostas a dar cem réis por exemplar, pagando, assim, o custo da impressão na Tipografia Mascarenhas, revertendo o produto da venda dos restantes a favor do poeta, já incapaz de exercer a profissão.

Na primeira edição do folheto dava-se a seguinte explicação: “Ao amigo do autor afigurou-se-lhe que, publicando em edição especial estas Recordações, não somente contribuiria para afirmar mais uma vez o engenho do Cantador de Setúbal, auxiliando-o conjuntamente com a receita que daqui lhe possa advir, mas também se lhe afigurou que enriqueceria a nossa literatura popular com uma obra de singular valor no seu género literário.”

Em 1901, e por iniciativa também de Henrique das Neves, são impressos 600 exemplares de “Versos do Cantador de Setúbal”, com prefácio de Guerra Junqueiro.

António Eusébio passou a maior parte dos dias a trabalhar de sol a sol no calafeto de barcos na margem do Sado.

Os 82 anos de idade do “cantador de Setúbal” foram festejados, por iniciativa, uma vez mais, de Henrique das Neves e também dos escritores Ana Castro Osório e Paulino de Oliveira, com um sarau no Teatro D. Amélia, onde hoje é o Fórum Municipal Luísa Todi.

O último dos sete folhetos com poemas de Calafate foram publicados em 1910.

Busto de Calafate

O busto dedicado à memória do poeta António Maria Eusébio, mais conhecido por “Calafate”, ou o “Cantador de Setúbal”, encontra-se no Parque do Bonfim.

A estátua foi inaugurada em 29 de dezembro de 1968, por iniciativa do Rotary Club de Setúbal.

O monumento, da autoria do escultor Castro Lobo, é de bronze e mármore branco.

Fontes: www.lasa.pt; Versos do Cantador de Setúbal, Vol.I, António Maria Eusébio (O Calafate), setembro 1985

José Afonso

José Afonso ou Zeca Afonso, como ficou mais conhecido entre os portugueses, é autor de canções que marcaram o país antes, durante e depois do 25 de Abril, com um percurso de vida vincado pela luta contra o autoritarismo e pela Liberdade e os valores da Democracia

José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, de nome completo, filho de um juiz e de uma professora primária, nasceu em Aveiro a 2 de agosto de 1929 e viveu vários anos em Setúbal.

“Bicho-cantor” foi a alcunha que lhe deram no liceu, por cantar serenatas durante as praxes. Nesta altura conhece a vida boémia e os fados tradicionais de Coimbra.

Entre 1946 e 1948, enquanto terminou o liceu, conheceu a costureira Maria Amália de Oliveira, com quem casou às escondidas, devido à oposição dos pais.

Quando, em 1949, ingressou no curso de Ciências Histórico-Filosóficas, da Faculdade de Letras, revisitou Angola e Moçambique, integrado numa comitiva do Orfeão Académico da Universidade de Coimbra.

Em 1953, nasceu o primeiro filho, José Manuel, e, enquanto dava explicações e fazia revisões no “Diário de Coimbra”, viu os primeiros discos serem editados.

O Emissor Regional de Coimbra, da Emissora Nacional, foi o local escolhido para a gravação dos dois discos, de 78 rotações, com faixas de fados de Coimbra.

“Fados de Coimbra” é o título do primeiro EP, editado em 1956. Nos finais dos anos 50, princípios de 60, começou a frequentar coletividades e a cantar, com regularidade, em festas populares.

Em 1963, concluiu o curso, com uma tese sobre Jean-Paul Sartre e a nota de 11 valores.

A senha para o início da Revolução de abril, “Grândola Vila Morena”, nasceu após Zeca Afonso se ter inspirado numa atuação na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, em maio de 1964.

O único disco editado pela Valentim de Carvalho, “Cantares de José Afonso”, é desse ano, altura em que regressou a Moçambique, onde viveu e lecionou durante três anos.

O regresso a Portugal deveu-se à oposição José Afonso ao sistema colonial . O destino, desta vez, foi Setúbal, onde foi colocado como professor, tendo sofrido uma grave crise de saúde que o forçou ao internamento hospitalar durante vinte dias. Quando recuperou, ficou a saber que tinha sido expulso do ensino oficial, passando a viver de explicações que dava.

O álbum “Contos Velhos Rumos Novos” e o single “Menina dos Olhos Tristes”, que contem a canção popular “Canta Camarada” , são editados em 1969.

Seguem-se “Traz Outro Amigo Também”, em 1970, gravado em Londres, “Cantigas do maio”, em 1971, gravado em Paris, e, no ano seguinte, “Eu Vou Ser Como a Toupeira”, editado em Madrid.

Em abril de 1973, foi preso, passando vinte dias em Caxias, e no Natal desse ano gravou, em Paris, “Venham Mais Cinco”, com a colaboração musical de José Mário Branco, então exilado na capital francesa.

Muitas outras canções, espetáculos e prémios surgiram nos anos posteriores à revolução e, em 1982, os primeiros sintomas da doença que lhe causou a morte, uma esclerose lateral amiotrófica, começaram a manifestar-se.

No último álbum, “Galinhas do Mato”, editado em 1985, Zeca Afonso já não conseguiu cantar todos os temas, sendo substituído por muitos cantores portugueses, como Luís Represas e Janita Salomé.

Dois anos mais tarde, no dia 23 de fevereiro de 1987, às 03h00, José Afonso morreu, no Hospital de S. Bernardo, em Setúbal.

Mais de 30 mil pessoas prestaram-lhe homenagem, no dia do funeral, nas ruas de Setúbal e na Escola Secundária Sebastião da Gama, de onde o corpo saiu para o cemitério da Nossa Senhora da Piedade, numa das maiores manifestações de que há memória na cidade.

Luisa Todi

“La Didone Abbandonata” foi a ópera, entre todas as que cantou, na qual Luísa Todi alcançou maior êxito

Luísa Todi nasceu em Setúbal, na freguesia de Nossa Senhora da Anunciada, a 9 de janeiro de 1753, na atual Rua da Brasileira, não criando grandes raízes na cidade, pois os pais mudaram-se para Lisboa ainda ela era de tenra idade.

Luísa Rosa de Aguiar, nome de solteira, estreou-se, ainda como atriz, em 1767 ou 1768, no teatro montado na propriedade do Conde de Soure, em Lisboa, recitando, com a irmã, as falas das personagens de Tartufo, de Molière.

Foi, também, aí que Luísa Aguiar conheceu Francesco Saverio Todi, violinista de origem italiana.

Em 28 de julho de 1769, com apenas 16 anos de idade, Luísa casou com Todi, na Igreja de Nossa Senhora das Mercês, indo habitar no Pátio do Conde de Soure, perto do Teatro.

Um ano após o casamento, atuou no mesmo teatro, onde se estreou como atriz, mas, desta vez, como cantora, na ópera “Il Viaggiatore Ridicolo”, de Guiseppe Scolari. A partir desse momento, a carreira de Luísa Todi tomou outro rumo, apresentando-se logo no ano seguinte em Londres.

A 6 de junho de 1772 atuou no Porto, cantando árias do compositor David Perez, mestre da Capela Real, passando a ser, figura de relevo na sociedade nortenha.

As críticas dos jornais, mesmo os estrangeiros, em relação à cantora não eram modestas, elogiando as capacidades vocais, o relevo que dava à expressividade e à emoção na caracterização das personagens que interpretava.

Londres, Paris, Berlim, Turim, Varsóvia, Veneza, Viena, São Petersburgo foram algumas das cidades em que Luísa Todi passou largas temporadas, alcançando consideráveis êxitos. Nessas ocasiões, conviveu de perto com a aristocracia europeia, como foi o caso de Frederico II da Prússia e Catarina II, imperatriz da Rússia.

Até 1793 andou em tournée pela Europa e foi já com 40 anos de idade que voltou a Portugal para cantar nas festas da filha primogénita do príncipe regente, futuro D. João VI.

Este espetáculo foi uma exceção em Portugal, visto que D. Maria proibira as mulheres de atuarem em público. Apesar da autorização, a família real não esteve presente, nem a atuação de Luísa Todi foi devidamente referenciada.

Talvez por isso, pelas limitações impostas em Portugal, regressou ao estrangeiro, voltando a Portugal, mais concretamente ao Porto, em 1803, já viúva.

Com as invasões francesas, em 1809, Luísa Todi viu-se forçada a abandonar o Porto, perdendo, na fuga, grande parte dos bens, entre os quais se contavam joias.

Em 1811, quando regressou a Lisboa, já era uma mulher amargurada, em parte pela morte de alguns dos seis filhos e por uma das filhas ter sido internada no Recolhimento de Rilhafoldes, destinado a doentes mentais.

Em 1813, Luísa Todi viveu na rua do Tesouro Velho, hoje, rua António Maria Cardoso, e mais tarde mudou-se sucessivamente para as ruas da Barroca e da Atalaia, Largo de S. Nicolau e Travessa da Estrela, onde morreu, em 1 de outubro de 1833, com 80 anos de idade, cega devido a uma doença que tinha desde nova.

Glorieta a Luísa Todi

A glorieta de Luísa Todi, que se encontra na avenida do mesmo nome, em frente do edifício do Governo Civil, foi inaugurada por ocasião do centenário da morte da cantora no antigo Parque das Escolas, hoje Largo José Afonso.

O monumento, posteriormente  deslocado para a Avenida Luísa Todi, onde se encontra, foi desenhado por Abel Pascoal, esculpido por Leopoldo de Almeida e construído por Abílio Salreu.

Fontes: “Cantores de Ópera Portugueses, 1.º volume”, Mário Moreau; “Setúbal e as suas celebridades”, Fran Paxeco; “Setúbal no Século XVIII. As informações paroquiais de 1758”, Rogério Peres Claro – Publicação Câmara Municipal de Setúbal, 2000

Entre as várias distinções que recebeu, Luciano dos Santos – autor do Tríptico dos Setubalenses Ilustres, patente no Salão Nobre dos Paços do Concelho –, conta-se a Medalha de Honra da Cidade de Setúbal atribuída, em 1985, pela Autarquia

Parte do espólio artístico de Luciano dos Santos, encontra-se no estrangeiro, embora, a maioria, na posse do Estado português.

O facto não é, certamente, alheio à bolsa que, em 1951, recebeu do Instituto para a Alta Cultura, que lhe permitiu trabalhar em vários países europeus.

Não admira, pois, que haja obras do pintor nas embaixadas portuguesas em Madrid, Moscovo, Berlim, Berna e Londres, tal como na nipónica da capital espanhola.

Nascido sem bafo de fortuna – aos 7 anos entrou para o Orfanato Municipal de Setúbal – Luciano dos Santos soube ultrapassar alçapões que a vida lhe armou, tornando-se nome ilustre no mundo da arte.

Após a instrução primária, feita no orfanato, e os estudos secundários, também em Setúbal, ingressou na Escola Superior de Belas Artes (ESBAL), em Lisboa, terminando o curso em 1937.

Enquanto estudante, beneficiou de bolsas da Câmara de Setúbal e da Junta Geral do Distrito e de uma pensão da ESBAL.

Mesmo antes de concluir o curso, expôs várias vezes. Em certames coletivos e individualmente. A partir daí, torna-se fastidioso referir quando e onde revelou a sua obra, parte significativa mostrada, em Setúbal, nos Paços do Concelho, em 1992, por iniciativa da Câmara Municipal, com a Exposição Retrospetiva de Luciano dos Santos.

Mais conhecido como paisagista e retratista, emprestou, também, talento à arte da cerâmica, de vitrais e da escultura. São exemplos, neste último caso, a imagem de S. João Batista, patente na Basílica da Estrela, em Lisboa, e os bustos de Bocage e de Luísa Todi, que se encontram em Alcobaça.

A medalha, em bronze, de Luísa Todi, afixada na fachada da casa, em Setúbal, onde a cantora lírica nasceu, é, igualmente, da autoria de Luciano dos Santos.

Entre as várias distinções que recebeu, conta-se a Medalha de Honra da Cidade de Setúbal atribuída, em 1985, pela Autarquia.

Luciano dos Santos, nascido em Setúbal, em 25 de março de 1911, morreu, aos 95 anos, em 12 de dezembro de 2006.

De origem francesa, Michel Giacometti viveu em Portugal durante mais de 30 anos. O etnólogo dedicou-se e viveu para o povo, defendeu a identidade das culturas e das nações e acreditou nas minorias

Michel Giacometti, de origem francesa, rendeu-se aos encantos de Portugal, onde viveu até morrer, desde o momento em que chegou em 1959, dedicando-se, desde então, à investigação da música popular.

Nascido em Ajaccio, na Córsega, em 1929, Michel Giacometti foi criado por um tio, funcionário colonial da rota do Império Francês.

Desde muito novo que as aventuras – ou desventuras – começaram a persegui-lo. Apenas com três anos de idade foi raptado por uma tribo, sendo salvo por Herratin, uma criada negra descendente de antigos escravos.

Enquanto estudante fundou várias revistas e esteve ligado a atividades culturais. Foi poeta, crítico de arte, ator e diretor de uma companhia teatral.

Expulso de todas as universidades francesas, por um período de cinco anos, por participar numa greve contra a discriminação dos árabes na vida pública de Argel, Giacometti decidiu viajar, chegando a frequentar as universidades de nove países, exercendo, ao mesmo tempo, mais de três dezenas de profissões para poder subsistir e financiar os estudos.

Após a diáspora, regressou a Paris, terminando o curso de Letras e Etnografia, na Universidade de Sorbonne.

“Mediterranée 56” é o nome da missão que criou, a seguir à conclusão da licenciatura, com o objetivo de investigar as tradições populares de todas as ilhas do Mediterrâneo. A dimensão do projeto, contudo, obrigou-o a considerá-lo como um fracasso, mas, por outro lado, com os conhecimentos antropológicos que adquiriu, passou a ter um curriculum invejável.

A descoberta de Portugal dá-se em 1959, ao decidir fixar-se em Bragança, quando lhe diagnosticaram tuberculose e recomendaram um clima mais propício à cura. O casamento com uma portuguesa influenciou a escolha, iniciando, então, a investigação musical no Nordeste Transmontano.

Giacometti recolheu informações etnográficas em mais de 600 freguesias, apesar das dificuldades financeiras por que passou, que o forçaram a dormir em pensões degradadas, choupanas de pastores, na casa de um contrabandista e, inclusivamente, na rua.

Apesar da dedicação e da enorme qualidade da compilação musical que possuía, das mais ricas da Europa Ocidental, nunca chegou a viver deste trabalho.

Os conhecimentos que possuía permitiram-lhe fazer programas de rádio para estações europeias e, durante três anos, realizou, para a RTP, “Povo que cantas”. A inspiração para o título foi buscá-la à letra de uma cantiga da resistência espanhola que diz que “pueblo que canta no puede morir”.

“Antologia da Música Regional Portuguesa”, uma coleção de cinco discos, feita com a colaboração do compositor Fernando Lopes-Graça, e o “Cancioneiro Popular Português”, editado pelo Círculo de Leitores, são algumas das obras de maior valor de Michel Giacometti.

Para ter algum desafogo económico teve de vender o espólio que detinha, como a coleção dos arquivos sonoros, a biblioteca particular e instrumentos musicais, estes últimos adquiridos pela Câmara Municipal de Cascais.

Por coincidência, Giacometti, que pertenceu e viveu para o povo, que acreditou nas minorias e defendeu a identidade das culturas e das nações, viu pela primeira vez a luz do dia a cem metros da casa onde nasceu Napoleão Bonaparte.

Michel Giacometti morreu em 1990 e foi sepultado, como desejava, no país do coração: em Portugal, mais precisamente em Peroguarda, no concelho de Beja.

O Museu do Trabalho Michel Giacometti, em Setúbal, não existiria sem o valioso contributo do etnólogo corso, que, em 1987, ajudou na elaboração da exposição “O Trabalho faz o Homem”, a primeira daquele espaço cultural.

Museu do Trabalho Michel Giacometti

O Museu do Trabalho Michel Giacometti, fundado em 1987, reúne um importante espólio, a coleção etnográfica Michel Giacometti e peças relacionadas com os ofícios tradicionais, atividade marítima, construção naval, mundo rural e indústria conserveira.

O museu está instalado numa antiga fábrica de conservas, a Perienes, cujo edifício foi adquirido, em 1991, pela Câmara Municipal.

Quatro anos mais tarde, após várias obras de remodelação, no dia 18 de maio de 1995, data da inauguração, o Município atribuiu-lhe o nome de Museu do Trabalho Michel Giacometti.

Este espaço, que tem por finalidade o estudo, a preservação e divulgação de técnicas e conhecimentos relacionados com o mundo do trabalho, engloba uma galeria de exposições temporárias e áreas polivalentes para animação.

No dia 11 de maio de 2002 foi inaugurada a exposição permanente “Mercearia Liberdade – Um Património a Salvaguardar”, reconstituição de um estabelecimento de Lisboa, cujo espólio foi doado pelos proprietários à Câmara Municipal de Setúbal.

Fontes: Público Magazine, agosto de 1990; www.terravista.pt/guincho/1452/michel.htm; Documentação cedida pelo Museu do Trabalho Michel Giacometti; Guia de Museus Costa Azul, 1996

Detentor de uma técnica ao alcance de poucos e exímio no retrato, Lima de Freitas foi também ilustrador, gravador, publicitário, desenhador e, no campo das letras, tradutor e ensaísta

“Mas o que é exatidão ótica? Apenas uma ilusão dos ingénuos ou dos mal informados. A exatidão, disse-o Almada Negreiros, é inimiga da perfeição. E a perfeição, acrescente-se, é a coerência, alcançada entre a forma e a intenção, entre o sentido e o sinal (…)”

Lima de Freitas, In “Lima de Freitas – 50 anos de pintura”

Neorrealismo, surrealismo, realismo fantástico, pós-modernismo. O legado artístico de Lima de Freitas confunde-se com várias correntes, o que impede, por isso, que seja unânime a atribuição de uma terminologia que defina, claramente, o traço do pintor.

O próprio Lima de Freitas sentia relutância em se identificar com qualquer corrente. Contudo, é comum encontrar registos sobre a obra do artista setubalense que a conotam, fundamentalmente na sua última fase, com um surrealismo marcado pelo misticismo e esoterismo.

Representativos do traçado muito próprio, de motivos gnóstico e feérico, são quadros como “O anjo duplo” (1988) e a “A visão de Ezequiel” (1984).

A criatividade de Lima de Freitas esteve sempre aliada ao seu espírito crítico, que o fez, por exemplo, pertencer ao antigo MUD Juvenil (Movimento de Unidade Democrática) e ser preso pela PIDE em 1949.

Partilhou as perspetivas de Júlio Pomar e começou por ser adepto do neorrealismo e da arte de teor social, características bem patentes em imagens como “O louco” (1950), “Estivadores” (1947) e “Cabeça amarrada” (1956).

O misticismo presente nos trabalhos de Lima de Freitas foi-o buscar, em determinado período, ao Oriente, elemento que pode ser admirado no quadro “S. Francisco Xavier na Índia”, patente no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Setúbal.

Lima de Freitas foi também ensaísta, tendo publicado títulos como “Pintura incómoda” (1965), “Almada e o número” e “Imagens da imagem” (ambos de 1977).

Como pintor, vertente na qual que se estreou em público, com apenas 20 anos de idade, na II Exposição Geral da Academia de Música e Belas Artes da Sociedade Nacional de Belas Artes, teve oportunidade de expor em praticamente todo o País e em nações como Inglaterra, Polónia, França ou Dinamarca.

Nascido em 22 de junho de 1927, em Setúbal, teve uma vida ativa bastante preenchida, salientando-se a criação (em colaboração com o pintor irlandês Patrick Swift) da conhecida cerâmica algarvia de Porches, a ocupação dos cargos de presidente do Conselho Científico da Academia de Música e Belas Artes Luísa Todi, de primeiro diretor do IADE – Instituto de Arte e Decoração de Lisboa e do Teatro Nacional D. Maria II.

Entre as várias distinções que Lima de Freitas obteve durante a carreira, constam a homenagem pela Câmara Municipal com a Medalha de Honra da Cidade e as condecorações de “Chevalier et Officier de L’Ordre du Mérite”, atribuídas pelo Governo francês. Recebeu ainda o título de comendador da Ordem de Santiago da Espada.

Exímio no retrato, perpetuou com o seu traço figuras como D. Manuel Martins, antigo bispo de Setúbal, Alves Redol ou Fernando Namora.

Pintou igualmente Snu Abecassis, num trabalho que se reveste da curiosidade de ter que refazer, a pedido da fundadora das Publicações Dom Quixote, o fundo original, uma vez que a então companheira de Sá Carneiro se sentiu “desnudada” com a configuração inicial do cenário criado pelo artista.

Lima de Freitas morreu em Lisboa, no dia 5 de Outubro de 1998.

Fonte: “Setubalenses de Mérito – 120 Biografias”, João Francisco Envia; “Lima de Freitas – 50 anos de pintura”, Hugin Editores, 1998

Olga Moraes Sarmento foi uma das referências no despertar da consciência feminista em Portugal, no virar do século XIX. A escritora foi condecorada com a Legião de Honra e com as Ordens de Cristo e de Santiago de Espada

O despertar da consciência feminista em Portugal, no virar do século XIX, tem em Olga Moraes Sarmento uma das referências, escritora que conviveu com o meio intelectual da Europa, onde, a par da luta pelos direitos das mulheres, alimentou um “vício”, o de colecionadora de autógrafos.

Maria Olga de Moraes Sarmento da Silveira, nascida em Setúbal, em 26 de maio de 1881, viajou muito, realizou conferências, escreveu livros, dirigiu uma publicação de pendor feminista.

Fixou residência em Paris, onde conviveu com o meio intelectual da época, criou relações de amizade com personalidades de relevo do mundo da arte, da música e da literatura e trocou correspondência com individualidades francesas, espanholas e portuguesas, como Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Marx Nordau e Henriette de Joffre. Destes contactos resultou a sua vasta coleção de autógrafos, em bilhetes-postais, cartas, livros e desenhos.

Apreciadora da obra e do pensamento de grandes personalidades, a coleção de autógrafos não se resume à compilação das missivas que lhe foram endereçadas por figuras da sua geração.

Inclui também registos de figuras do meio intelectual, artístico, político e aristocrático, especialmente dos séculos XIX e XX. Destacam-se ainda duas cartas de outros períodos históricos: uma do Marquês de Pombal, outra do rei Luís XIII de França.

Editou o primeiro livro, intitulado ‘Problema Feminista’, em 1906, a que se seguiram ‘A Infanta D. Maria e a Corte Portuguesa’, ‘A Marquesa de Alorna’ (com prefácio de Teófilo Braga), ‘Mulheres Ilustres’, ‘Impressão de Viagem’, ‘La Patrie Brasilienne’, ‘Sa Magesté la Reine Amélie de Portugal’ e ‘Teófilo Braga’.

Deste último título ofereceu um exemplar ao Rei da Bélgica, que a recebeu em audiência em 1937.

Ligada ao grupo de intelectuais portuguesas que no início do século XX lutou pelos direitos cívicos, legais e políticos das mulheres, que se encontravam relegadas na sociedade para um plano de inferioridade, Olga Moraes Sarmento dirigiu a publicação “Sociedade Futura”, criada em 1092, sucedendo no cargo à também setubalense Ana de Castro Osório, uma das principais teóricas do feminismo.

Condecorada com a Legião de Honra e com as Ordens de Cristo e de Santiago de Espada, morreu em 1948, sem antes ceder à Câmara Municipal de Setúbal a biblioteca e coleção de arte pessoais, legado que faz parte do acervo do Museu de Setúbal/Convento de Jesus.

E, claro, os mais de cem autógrafos que juntou.

Sebastião da Gama

Sebastião Artur Cardoso da Gama, poeta e pedagogo, foi a voz pioneira na defesa da Serra da Arrábida

Sebastião Artur Cardoso da Gama nasceu em 10 de abril de 1924, em Vila Nogueira de Azeitão, tendo falecido a 7 de fevereiro de 1952.

Licenciou-se em Filologia Românica, em 1946, na Faculdade de Letras de Lisboa, lecionando provisoriamente, dois anos mais tarde, na Escola Técnica de Setúbal.

“Serra Mãe” foi a primeira obra do poeta, que surgiu em 1945, seguindo-se, nos dois anos sequentes, “Loas a Nossa Senhora da Arrábida” e “Cabo da Boa Esperança”.

No dia 4 de maio de 1951, casou com a amiga de infância Joana Luísa, no Convento da Arrábida, tendo sido a primeira cerimónia ali celebrada.

No mesmo ano surgiu a quarta obra, intitulada “Campo Aberto”.

A 7 de fevereiro de 1952, Sebastião da Gama morre, vitimado por uma tuberculose renal, de que sofria desde a adolescência.

A título póstumo foram publicados, em 1953, “Pelo Sonho é que vamos” e “Lugar de Bocage na Poesia Portuguesa”, este último em resultado de uma conferência proferida em 15 de setembro de 1950, em Setúbal.

“O Diário”, com prefácio de Hernâni Cidade, e “O Segredo é Amar” surgiram em 1958 e 1959, respetivamente.

O último livro editado,  “Itinerário Paralelo”, data de 1967.