A inauguração do “Maravilha do Sado”, embarcação típica dos anos 50, recuperada numa iniciativa da Câmara Municipal de Setúbal e agora ao serviço da população com novas funções culturais, foi um dos pontos altos do programa que assinalou a passagem de mais um aniversário do 25 de Abril.

“Entregamos este património a Setúbal para mostrar como se viajava entre margens em tempos não assim tão distantes”, realçou a presidente da autarquia, Maria das Dores Meira, ontem à tarde, no ato simbólico de inauguração e bênção da embarcação, agora com funções de recreio direcionadas para as escolas e população sénior.

O “Maravilha do Sado”, lançado à água a 19 de abril de 1954 nos estaleiros da Praia da Saúde, realizava travessias comerciais entre Setúbal e a Comporta. O antigo galeão, doado à cidade por Manuel Ferreira, foi agora convertido em barco de recreio para navegar junto da costa e em águas interiores.

Trata-se de uma embarcação de traçado tradicional, construída em madeira nacional, com peças maciças de pinho bravo e manso, cortadas com as formas tradicionais montadas na construção. Com uma lotação para sessenta pessoas, mais três tripulantes, foi recuperada nos estaleiros de Sarilhos Pequenos.

A embarcação, “mais um equipamento cultural ao serviço da população”, sublinhou a autarca, que assegura a transmissão de saberes e de técnicas tradicionais, permite dignificar e valorizar a profissão de pescador e as atividades económicas ligadas à pesca, ao mar e ao rio. “Garantimos o futuro coletivo e preservamos o passado.”

Na nova vida, o “Maravilha do Sado” é utilizado em passeios educativos, pedagógicos e lúdicos, que proporcionam um maior contacto com o rio e a Reserva Natural do Estuário do Sado e que ajudam a preservar o património histórico das embarcações típicas e da arte da construção naval.

Maria das Dores Meira reforçou que os objetivos da recuperação da embarcação passam também “pela preservação do património natural e histórico e pela partilha intergeracional de conhecimentos, sobre as atividades da indústria conserveira, da pesca, da salinicultura, das tradições, das lendas e costumes”.

A embarcação, acostada na Doca dos Pescadores, despertou a curiosidade de muitos populares que, em dia de celebração dos 42 anos do 25 de Abril, aproveitaram o dia solarengo para passear e tiveram a oportunidade de conhecer, e também rever, o recuperado “Maravilha do Sado”.

“Neste dia em que celebramos Abril, creio que a cidade, o seu património e a nossa memória coletiva saem assim valorizados desta ação do poder local democrático, que é, acima de tudo, uma consequência da Revolução dos Cravos”, vincou a presidente da Câmara Municipal de Setúbal.

A festa de Abril começou logo pela manhã, com as habituais cerimónias protocolares que incluíram a sessão solene da Assembleia Municipal de Setúbal, no Salão Nobre dos Paços do Concelho. No exterior, a Praça de Bocage foi o ponto de partida para uma atividade desportiva de cicloturismo.

As comemorações continuaram em movimento, defronte do edifício-sede da autarquia, com o Clube de Teatro Cenas à Vista, da EB+S Ordem de Sant’Iago, a trazer à rua a manifestação cultural “Cenasflash”. Pouco depois, foi a vez de a Banda Filarmónica da Sociedade Musical Capricho Setubalense dar música à população.

A cultura continuou a pautar o ritmo das festividades de Abril, desta vez no Largo Dr. Francisco Soveral, antigo Largo da Ribeira Velha, com a inauguração de uma peça escultórica de João Duarte. A “gorda”, à semelhança daquela que embeleza o Largo da Misericórdia, está agora também no Largo da Ribeira Velha, acompanhada de uma cadeira.

“Esta é uma obra de arte que enriquece o ambiente urbano da Baixa setubalense e que constitui mais um fator de atração de públicos ao centro histórico da cidade”, destacou Maria das Dores Meira a propósito da peça “Menina com Cadeira”, escultura em bronze que pesa cerca de setecentos quilogramas.

A instalação de mais uma obra de arte nesta zona de Setúbal está integrada numa estratégia de revitalização preconizada pela autarquia para “manter a Baixa como uma zona comercial de excelência”, na qual o Largo da Ribeira Velha, com novos investimentos e serviços, é “um excelente exemplo” de vitalidade.

Esta nova escultura de João Duarte, que retrata um corpo feminino com formas generosas, pode ser designada como “cultura de proximidade já que permite a interação de quem passa com a obra de arte”. Concretamente, setubalenses e visitantes podem sentar-se na peça escultórica.

O grotesco e o fantástico são o que melhor definem os trabalhos que João Duarte apresenta em Setúbal. São, como esclareceu o autor, “figuras com formas convexas, redondas e repletas, cheias e prenhas, com expressão pela totalidade das formas e pelo modo como se enchem, em posição de repouso”.

Até ao final do ano, a autarquia conta instalar mais uma peça de João Duarte à saída do túnel do Largo da Ribeira Velha, numa zona de passeio que será alterada para acolher a nova obra de arte, que, de acordo com o escultor, é “semelhante às outras já existentes”, ou seja, retrata uma mulher de formas generosas, embora noutro contexto.

Do Largo Dr. Francisco Soveral à Avenida Luísa Todi para mais um ato carregado de grande simbolismo, a deposição de flores no Monumento à Resistência Antifascista para que a memória da luta de homens e mulheres contra o regime opressor jamais seja esquecida.

“Neste 25 de Abril de 2016, outros tempos vieram, tempos novos em que podemos, sempre vigilantes, voltar a olhar em frente, em que os trabalhadores portugueses, severamente fustigados por politicas autoritárias cegas e injustas, deixaram de ser vistos como culpados da crise das dívidas soberanas”, vincou a presidente da autarquia, numa alusão à governação do país nos últimos quatro anos.

Para Maria das Dores Meira, foram “penosos tempos em que o único caminho que se apontou aos jovens e desempregados foi o da porta de saída para a emigração”. E a fatura foi cara. “O preço de uma geração altamente qualificada que faz noutros países o que tanto precisamos que se faça no retângulo lusitano.”

Pedro Soares, em representação da União de Resistentes Antifascistas Portugueses, partilhou que “a Liberdade é um precioso bem que custa a conquistar” e, por isso, há que estar sempre vigilante. “Os inimigos da liberdade ainda estão presentes mas o monstro vai acabar por desaparecer.”

Num paralelismo com a atualidade, Pedro Soares relembrou que ofensas à liberdade ainda ocorrem, dando como exemplo o flagelo da crise dos refugiados e as crises financeiras despoletadas pelo capitalismo do setor bancário. “Em 1974 estava a chover mas não foi por isso que o sol deixou de brilhar”, relembrou.

A festa de Abril foi feita em proximidade, com o Executivo municipal a visitar as freguesias do concelho, como o território de Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra, local onde decorreu um almoço de confraternização do Dia da Liberdade, na sede do Alto da Guerra Sport Clube.

Igualmente naquela freguesia, a memória de Álvaro Cunhal foi ao início da tarde evocada. O líder histórico do Partido Comunista Português dá nome a uma renovada rotunda na antiga Estrada do Alentejo, atualmente com a designação de Avenida Álvaro Cunhal.

“Nunca será de mais todas as iniciativas que se façam para homenagear Álvaro Cunhal”, afirmou Maria das Dores Meira a propósito da atribuição do nome à rotunda, que, em breve, vai ser alvo de mais intervenções de embelezamento.

Já o presidente da Junta de Freguesia de Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra, José Belchior, salientou que a iniciativa prestou homenagem a um homem que “viveu sempre em prol do coletivo, um humanista que lutou por todos e que deixou o bem mais precioso, a liberdade”.

O dia 25 de Abril foi de festa mas as comemorações dos 42 anos da Revolução dos Cravos começaram antes, na noite de 24, com um programa cultural gratuito para a população que anunciou a chegada da liberdade, com música e um espetáculo pirotécnico.

Na Praça de Bocage, a projeção de um filme alusivo aos 42 anos do 25 de Abril e distribuição de cravos antecederam um concerto com os Corvos, banda que atuou com Hugo Claro como vocalista convidado, com músicas do reportório da formação e temas de abril.

O evento comemorativo, que incluiu uma intervenção da presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Maria das Dores Meira, integrou um apontamento musical da Capricho Dixie Band e, à meia-noite, na Doca dos Pescadores, na frente ribeirinha da cidade, um espetáculo de fogo de artifício.

Seguiu-se uma arruada até ao Largo da Misericórdia, com acompanhamento musical da Capricho Dixie Band, e depois, já na Sociedade Musical Capricho Setubalense com um concerto de música popular portuguesa pela banda Seiva.