Mostra "Plano Trabalho e Cultura" | Michel Giacometti

Imagens fotográficas que documentam o Plano Trabalho e Cultura, uma das ações do Serviço Cívico Estudantil, liderado pelo etnomusicólogo francês Michel Giacometti, estão patentes a partir de 4 de julho numa exposição organizada pela Câmara Municipal de Setúbal.


Pouco depois do 25 de Abril de 1974, 28 mil jovens estudantes pretendiam candidatar-se à universidade, o que representava o dobro dos alunos em relação ao ano anterior, para aproximadamente 14 mil vagas.

Em plena conjuntura revolucionária, tornava-se imperativo solucionar a impossibilidade de o ensino superior receber tantos estudantes. Neste contexto, a 30 de maio de 1975, é criado o Serviço Cívico Estudantil, que durou aproximadamente dois anos, até 17 de junho de 1977, com a normalização constitucional.

Uma das ações do Serviço Cívico Estudantil foi o Plano Trabalho e Cultura, impulsionado e estruturado tão competentemente por Michel Giacometti que logo obteve financiamento do Estado, de municípios e da Fundação Calouste Gulbenkian.

É precisamente sobre este projeto que, a partir do próximo dia 4 e até setembro, no Museu do Trabalho Michel Giacometti, está patente uma exposição fotográfica, com perto de cinquenta películas, maioritariamente a preto e branco, que propõe ao visitante uma viagem até aos tempos do Plano Trabalho e Cultura.

Com inauguração agendada para as 15h00, a mostra “45 anos – Plano de Trabalho Cultura e Serviço Cívico Estudantil” revela, entre outros, imagens inéditas de entrevistas realizadas por estudantes, retratos de participantes e dirigentes do Serviço Cívico e de habitantes das aldeias com quem conviveram e registos de festividades e habitações.

O Plano de Trabalho Cultura tratava-se um projeto de cunho vincadamente militante, com traços de “Travail et Culture”, um dos principais grupos de educação popular surgidos no pós-guerra em França e nas suas colónias norte-africanas.

O plano, construído e supervisionado no terreno por Giacometti, levou, durante os três meses do Verão Quente de 1975, mais de uma centena de jovens em idade pré-universitária a um Portugal mais profundo e remoto, de Bragança ao Algarve, ao encontro de comunidades rurais e piscatórias.

Os objetivos principais passavam pela promoção da animação cultural e formação de associações e cooperativas e pela recolha etnográfica musical, literária, sanitária e material, constituída por instrumentos de trabalho.

Na sequência destas recolhas existem milhares de fichas dactiloscritas, fotos, objetos etnográficos e instrumentos agrícolas únicos que constituíram o núcleo museográfico fundador do Museu do Trabalho Michel Giacometti.

A exposição “45 anos – Plano de Trabalho Cultura e Serviço Cívico Estudantil” é a representação de momentos e vivências que decorreram desta experiência inovadora em Portugal, decorrida em pleno processo revolucionário.

Até 1986, Giacometti continuou a percorrer o país e a adquirir artigos, muitos dos quais apalavrados durante o Serviço Cívico, através do Plano Trabalho e Cultura. Por isso, a mostra, organizada pelo município, destaca-o e homenageia-o.

Dois registos a cores que ilustram a cerimónia da exposição inaugural do Museu do Trabalho, com a presença do próprio Giacometti, são, também, exemplos de outras fotografias que podem ser vistas até 26 de setembro, de segunda a sexta-feira das 09h00 às 19h00 e aos sábados das 14h00 às 19h00.

Nascido em Ajaccio, na Córsega, em janeiro de 1929, Michel Giacometti foi criado por um tio, funcionário colonial da rota do Império Francês.

De origem francesa, o etnólogo rendeu-se aos encantos de Portugal, onde viveu, durante mais de trinta anos, até morrer. Dedicou-se à investigação da música popular, viveu para o povo, defendeu a identidade das culturas e das nações e acreditou nas minorias.

Enquanto estudante, fundou várias revistas e esteve ligado a atividades culturais. Foi poeta, crítico de arte, ator e diretor de uma companhia teatral.

Expulso de todas as universidades francesas por um período de cinco anos, por participar numa greve contra a discriminação dos árabes na vida pública de Argel, Giacometti decidiu viajar, chegando a frequentar as universidades de nove países, exercendo, ao mesmo tempo, mais de três dezenas de profissões para poder subsistir e financiar os estudos.

Após a diáspora, regressou a Paris, terminando o curso de Letras e Etnografia, na Universidade de Sorbonne.

“Mediterranée 56” é o nome da missão que criou, a seguir à conclusão da licenciatura, com o objetivo de investigar as tradições populares de todas as ilhas do Mediterrâneo.

A descoberta de Portugal dá-se em 1959, ao decidir fixar-se em Bragança, quando lhe diagnosticaram tuberculose e recomendaram um clima mais propício à cura. O casamento com uma portuguesa influenciou a escolha, iniciando, então, a investigação musical no Nordeste Transmontano.

Giacometti recolheu informações etnográficas em mais de 600 freguesias, apesar das dificuldades financeiras por que passou, que o forçaram a dormir em pensões degradadas, choupanas de pastores, na casa de um contrabandista e, inclusivamente, na rua.

“Antologia da Música Regional Portuguesa”, uma coleção de cinco discos, feita com a colaboração do compositor Fernando Lopes-Graça, e o “Cancioneiro Popular Português”, editado pelo Círculo de Leitores, são algumas das obras de maior valor de Michel Giacometti.