PLAAC Arrábida - Seminário - Convento da Arrábida - vice-presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Carla Guerreiro

Calor excessivo, incêndios rurais e seca são os riscos climáticos que mais aumentam na região até ao final do século, revela um estudo, que aponta a necessidade de mitigar as causas e adaptar a vida das populações à nova realidade. 


Estas são as principais conclusões, apresentadas no dia 29 de setembro num seminário realizado no Convento da Arrábida, do projeto PLACC – Arrábida, um Plano Local de Adaptação às Alterações Climáticas com o objetivo criar estratégias locais de adaptação nos três concelhos do território Arrábida – Setúbal, Palmela e Sesimbra – que permitam reforçar a sua resiliência às alterações climáticas.

“Cabe às instituições e às pessoas alterar esse futuro, conhecendo o que são algumas das vulnerabilidades do nosso território, como incêndios, secas extremas e dias de calor muito mais intensos. Este instrumento vai-nos permitir olhar o território de uma maneira mais sustentável e tomar as medidas mais adequadas para que os cenários que foram aqui traçados não se cheguem a concretizar no ano de 2100”, afirmou a vice-presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Carla Guerreiro.

A autarca, que no município tem o pelouro do Ambiente, é igualmente presidente da ENA – Agência de Energia e Ambiente da Arrábida, entidade que coordenou o projeto, em cujo consórcio também participaram os três municípios, o Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa e a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT NOVA).

Ao destacar o apoio da ENA e das instituições académicas, Carla Guerreiro sublinhou que, com a cenarização feita para todo o território, inicia-se um processo no qual cabe às autarquias tomarem medidas e informarem a população, para “mitigar” os riscos no futuro e “tornar estes problemas mais adaptáveis à vida” no território, embora tenha reconhecido que a capacitação das comunidades locais é um processo moroso e complexo.

“Os governos locais necessitam de fortalecer as suas capacidades de ação, de construir parcerias sólidas e, acima de tudo, de concretizar processos inclusivos de adaptação da comunidade, sem deixar ninguém para trás. Ao enveredar por este caminho, devem ser proativos no fortalecimento dos seus poderes, usando a responsabilidade que lhes é atribuída para insistir na maior autonomia para adaptar o seu território”, assinalou.

Com base na subida do nível do mar, aumento da temperatura, precipitação e vento, foram identificados como perigos climáticos as inundações estuarinas, as inundações e galgamentos costeiros e a erosão costeira e recuo de arribas, o calor excessivo e os incêndios rurais/florestais, as inundações fluviais por cheias rápidas, a erosão hídrica do solo, a instabilidade de vertentes e a seca meteorológica e as tempestades de vento.

O estudo fez projeções até ao ano de 2100 com base em dois cenários, um com uma Representative Concentration Pathway (RCP) de 4.5 e outra de 8.5, a primeira das quais prevê uma concentração de dióxido de carbono atmosférico até 520 partículas por milhão (ppm) em 2070, com um incremento menor até 2100, e a segunda uma situação semelhante à da primeira até 2050, mas atingindo 950 ppm em 2100.

O calor excessivo, os incêndios rurais/florestais e as secas foram considerados os riscos mais preocupantes, embora também se preveja que a frente ribeirinha de Setúbal, as zonas de Praias do Sado, Faralhão, Pontes, Algeruz e Gâmbia e, no concelho de Palmela, o Poceirão e a Marateca fiquem sujeitas ao perigo de inundação estuarina no final do século XXI, por o Estuário do Sado ser afetado pela subida do nível do mar.

Prevê-se que a suscetibilidade ao calor excessivo aumente significativamente até 2100, passando dos atuais dois a cinco dias por ano no setor oeste e cinco a dez dias no setor este para cerca de dez a 20 dias na generalidade do território da Arrábida, com a possibilidade de se poder mesmo atingir 30 a 44 dias, especialmente no setor este, e a particularidade de Sesimbra poder passar de dois a cinco dias por ano para 20 a 30.

Caso se concretize o cenário RCP 8.5, deve aumentar significativamente o perigo de incêndios rurais/florestais, relativamente ao qual atualmente a área com maior risco abrange mais de 108 quilómetros quadrados, nas serras do Formosinho e de São Luís, em Setúbal, nas proximidades do Castelo de Palmela, na Serra do Louro e em Vale de Barris, em Palmela, e nas freguesias de Santiago e do Castelo, em Sesimbra.

Atualmente os três concelhos do território da Arrábida têm uma suscetibilidade moderada às secas, mas o estudo aponta para que haja um agravamento até ao final do século XXI, quando os três municípios, de forma geral, apresentarão uma suscetibilidade muito elevada, exceto nas serras e colinas da Estremadura, incluindo as serras do Formosinho, de São Luís e do Louro, nas quais será elevada.

José Luís Zêzere, professor do IGOT e coordenador da equipa que produziu os relatórios do PLAAC – Arrábida, mostrou-se surpreendido com os resultados registados nos itens relativos ao aumento do calor excessivo e aos incêndios rurais/florestais.

“Estávamos à espera de que o aumento do calor excessivo existisse, não estávamos à espera que fosse tão acentuado. O mesmo se verifica relativamente aos incêndios rurais florestais, ou seja, é de esperar que, com mais temperatura, a probabilidade de arder aumentasse, mas os aumentos são suficientemente preocupantes para que a situação não comece já a ser tratada”, alertou.

O académico considerou muito importante “ter consciência” do que está a acontecer e “passar a informação”, pois “o clima vai mudar para mais quente e mais seco, acentuando uma tendência que a população residente já começa a sentir”, uma vez que “mais de metade dos últimos 20 anos já foram de seca e o aumento da temperatura, principalmente no verão e no outono, tem sido uma constante”.

Depois de recordar que “praticamente a cada ano bate-se o recorde do ano anterior e assim sucessivamente”, José Luís Zêzere defendeu a necessidade de redução da causa do problema, “que é conhecida e consiste basicamente na emissão excessiva de gases com efeito de estufa, nomeadamente o dióxido de carbono, muito pela queima de combustíveis fósseis, para produção de energia e para os automóveis”. 

José Luís Zêzere defendeu a realização de um esforço coletivo “de redução e de substituição do carbono por energias mais limpas”, para “atuar ao nível da causa do problema”, embora tenha avisado que, devido à inércia dos sistemas da atmosfera e do oceano, “mesmo que fosse possível reduzir as emissões de dióxido de carbono de hoje para amanhã, o clima ia continuar a aquecer durante algumas décadas”.

Embora tenha afirmado que “mitigar é fundamental”, notou que isso “não vai ser suficiente”, sendo igualmente necessário “adaptar”, ou seja, ganhar capacidade para “viver num território com um clima mais duro, mais quente, mais seco”, o que implica haver “cidades mais bem desenhadas”, com telhados verdes e ruas arejadas, “onde o ar possa circular de forma que a temperatura não suba tanto”.

Também preconizou que os edifícios a construir até ao final do século devem ter “uma melhor eficácia energética” e ser construídos de forma a suportarem temperaturas mais elevadas, evitando a necessidade de ar condicionado.

Referindo-se em particular à subida do nível do mar, indicou que se sabe que há áreas “onde vai ter de haver recuo” de pessoas e bens “para zonas situadas mais no interior, com maior segurança”, nos casos em que o reforço das defesas junto ao mar e ao estuário “não se justifiquem porque o seu custo vai ser superior ao valor dos bens a defender”.

O PLAAC-Arrábida representou um investimento superior a 165 mil euros, financiado em 90 por cento pelo Programa Ambiente do EEA Grants, fundo através do qual Noruega, Liechtenstein e Islândia apoiam financeiramente os Estados-membros da União Europeia com maiores desvios da média europeia do PIB per capita, como é o caso de Portugal.

No seu âmbito foram desenvolvidos três planos locais de adaptação climática, que beneficiam um total de 112.331 pessoas, com o envolvimento de técnicos dos três municípios, da comunidade local e dos atores com relevância estratégica para os respetivos fenómenos e para a necessidade de promover os processos de adaptação locais.

Foram feitas três visitas técnicas a zonas de risco climático, realizados dois seminários sobre adaptação local, com mais de 200 participantes, e três sessões informativas com decisores políticos, bem como cinco workshops de capacitação técnica, três reuniões com técnicos e agentes sociais e criadas três redes locais de adaptação, num processo que envolveu 194 agentes, num total de 400 participações.