Para ver, estar, tocar e sentir, as artes viajam ao ar livre neste projeto artístico que, num movimento de ocupação do espaço público e em proximidade, desperta sensações e revela novos olhares sobre o mundo, com histórias e memórias, livros, brincadeiras e artigos insólitos prontos a serem descobertos.

A viagem cultural, com quatro apeadeiros de paragem obrigatória, começou no dia 8 à tarde, no Parque do Bonfim, com “Mapas e ferramentas para descobrir o mundo”, naquela que foi a primeira sessão do segundo ciclo do projeto artístico que teve a expedição inaugural em julho e agosto.

A tarde está solarenga e apela a momentos sem pressa. O som da natureza que envolve o maior jardim do centro da cidade é cortado pela música de um pequeno amplificador, que, juntamente com objetos variados, aleatoriamente dispostos no espaço público, despertam a curiosidade.

Passam poucos minutos das três da tarde. O primeiro apeadeiro do “Carapau de Corrida” está pronto a receber os passageiros, tímidos, que, apesar da vontade em perceber o que está a acontecer, aproximam-se a passo e passo, bem devagar, na esperança de que mais pessoas se juntem.

Daniel, de apenas oito anos, é o primeiro a aventurar-se na viagem. Está sozinho, mas os pais acompanham todos os movimentos a partir da esplanada da Confraria do Bonfim, bem próxima do local no qual o apeadeiro está instalado. É recebido com um carinhoso “Olá”, de Rita Sales, criadora e dinamizadora do projeto.

A viagem do pequeno Daniel começa confortavelmente sentada numa almofada que aconchega a relva do Jardim do Bonfim, com a leitura de uma história de “A Flor vai ver o Mar”, um dos muitos livros que constam da biblioteca itinerante disponíveis no apeadeiro, com obras para miúdos para graúdos.

Depois da literatura, é tempo de descobrir o mundo em movimento, primeiro com recurso a uma panóplia de objetos dispostos erraticamente numa velha estante de madeira. Há máquinas fotográficas, binóculos, câmaras de filmar de cartão, globos, espelhos, lupas, molduras e tantas outras peças insólitas.

“Pega num”, desafia Rita Sales. A escolha de Daniel recai numa de várias máquinas fotográficas. “Agora, olha pelo visor. O que vês?” A resposta sai em tom de surpresa. “Uau, está tudo vermelho! Fixe”. A curiosidade é rapidamente alargada às outras máquinas, todas a proporcionar diferentes olhares sobre o mundo.

A viagem leva a novos desafios e revela mais objetos para descobrir o mundo. Neste caso, a escolha recai num pequeno espelho de bolso. Com o objeto nas mãos, virado para cima, voltou a ser surpreendido pelo olhar. “Parece que estou a andar nas árvores”, solta, numa alusão ao reflexo das copas.

Depois do espelho, a lupa, com o jovem viajante a investigar, ao pormenor, formas, cores e texturas dos mais variados elementos que vão surgindo no caminho e que, à primeira vista, não aparentam ser nada de mais. Contudo, um olhar atento, mostra algo mais. Entretanto, já há mais viajantes no apeadeiro, que Rita Sales acolhe. “Olá!”

Minutos depois, a viagem de Daniel está terminada. Folhas, galhos e até pedras foram algumas das descobertas do jovem que a pedido da dinamizadora do projeto deu largas à imaginação e preparou mentalmente o périplo. Agora, é tempo de desenhar e revisitar os lugares percorridos.

“Gostei muito da viagem. Descobri muitas pistas, atravessei o oceano até África e fui até a uma floresta”, descreve Daniel, a pintar a azul, verde e amarelo, que agora já tem a companhia de um outro viajante, mais novo, de apenas 5 anos, e que, mesmo ao lado, decalca rios e florestas de um mapa enciclopédico. 

Também o espaço de biblioteca já está ocupado, com uma avó a ler à neta “Um Segredo para Crescer”. Já a estante é alvo de constantes abordagens de curiosos, nomeadamente de um casal, que dispensa grande parte do tempo às voltas no globo terrestre, assim como um pai e filho, que se perdem entre diferentes escolhas.

“Precisamos de cola. E de mais cores”, sugere Rita Sales aos dois viajantes, que ultimam os desenhos, avançando para as traseiras da carrinha de apoio ao “Carapau de Corrida”, que armazena um número incerto de objetos. “São pessoais, alguns do património familiar e outros que simplesmente gosto e que resolvi partilhar.”

Rita Sales, do Teatro do Elefante, é a criadora do “Carapau de Corrida”, que tem produção e comunicação de Marlene Aldeia e design de Paulo Curto Baptista. “É uma experiência participativa que alinha entre a vida e a arte e que procura despertar sensações e novos olhares.”

O projeto, que funciona em grande parte com base do improviso, é aliciante. “Nada é igual. Cada experiência é única e surpreendente”, revela Rita Sales sobre o projeto artístico, uma “proposta pensada para todos”, que conta com sugestões e até objetos partilhados pelos viajantes.

No dia seguinte, a 9, o embarque no “Carapau de Corrida” foi no Jardim da Algodeia, durante a manhã, com “Observação de poemas à luz da lupa”, um novo desafio cultural para os viajantes, desta vez mais relacionado com a literatura, complementado por outras sugestões.

Na Algodeia, além dos objetos insólitos e do espaço biblioteca, os viajantes deram largas à criatividade numa espécie de oficina de escrita criativa, com poemas e frases subordinadas aos mais variados temas a serem datilografadas numa antiga máquina de escrever, partilhados depois num estendal e em molduras.

A viagem do “Carapau de Corrida” culmina na penúltima semana do mês, primeiro no dia 22, com a Praça de Bocage a servir de apeadeiro, das 14h30 às 17h30, para explorar um “guia de recolectores e desmemoriados”, com memórias, coleções, imagens e histórias de antigos viajantes.

A última estação do projeto está no dia seguinte, a 23, entre as 10h00 e as 13h00, à beira-rio, com “Manifestos, gritos e outros cantos” à solta no Parque Urbano de Albarquel, um cenário harmonioso, entre o Sado e a Arrábida, que inspira, apresenta e partilha ideias sobre o mundo. Boa viagem!